A Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 (ADPF) levada até o Supremo
Tribunal Federal no ano de 2012 tratou de um tema controverso, o aborto em caso
de gravidez de feto anencéfalo.O requerimento da ação se deu através do Conselho
Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTs) e teve como Relator o M.Marco
Aurélio. Os Ministros após intensas deliberações chegam ao acordom por 8 votos
a 2 determinando como procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade
da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é
conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.
Antes de engendrar-se
um veredito foram expressos posicionamentos antagônicos por parte dos
Ministros, de representantes de grupos religiosos, grupos pró vida, defensores
de Direitos Humanos e dos direitos das mulheres. Demonstra-se nisso as
divergências que permeiam os Campos distintos da sociedade e que se faz
presente também dentro do Campo Jurídico. Desta dinâmica surge uma
dialética que se expressa na sentença final do Magistrado que a profere como
uma vontade Universal que, de acordo com Bourdieu engendra ao mesmo
tempo razão e ética:
“O veredicto judicial, compromisso
político entre exigências inconciliáveis que se apresenta como uma síntese
lógica entre teses antagonistas, condensa toda a ambiguidade do campo
jurídico.”.
“Participando (referindo-se ao campo
jurídico) ao mesmo tempo da lógica positivada ciência e da lógica normativa da
moral[...] reconhecimento por uma necessidade simultaneamente lógica e ética.”.
(Bourdieu, pg 213.O Poder Simbólico)
Durante todo processo
foi discutido se o feto anencéfalo possui vida ou trata-se de um natimorto.
Para determinada vertente do direito a vida pressupõe atividade cerebral que
permita a sobrevivência extrauterina; no caso da anencefalia essa patologia é
totalmente incompatível com a vida e o feto morre algumas horas após o parto ou
mesmo antes. Em contraposição existe a teoria concepcionista que atribui existência de vida a partir da concepção embrionária, de acordo
com essa hipótese a interrupção da gravidez de feto anencéfalo configura aborto
e portanto deve ser recriminada. Porém essa teoria exclui o aspecto de que o
feto anencéfalo nunca será uma pessoa, ele não possui o potencial para tornar-se
pessoa dotada de personalidade, portanto, continuar com a gestação causaria
sofrimentos a mãe de modo que proibir a mulher de decidir sobre seu
próprio corpo e saúde seria uma espécie de tortura.
Como futuros juristas
e cientistas sociais devemo nos indagar se cabe a nós decidir quando
a vida se inicia, acredito não ser suficientemente autônoma a ciência jurídica
do modo como propôs Kelsen, para conseguir de maneira exclusiva
determinar conceitos tão complexos como a vida. Bourdieu já nos
alertava a esse respeito contestando essa autonomia absoluta do
direito. Pierre Bourdieu em sua obra “O Poder Simbólico” realiza , uma
crítica a teoria de Hans Kelsen e seus seguidores- incluindo Luhmann- ao
afirmar que o direito sofre ingerências e pressões sociais .
No presente Julgado
fica evidente essa autonomia relativa do direito, apesar dos agentes e
instituições jurídicas tentarem abranger o problema partindo principalmente
das normas presentes no Código Civil, Código Processual Civil e Código
Penal existe a necessidade de recorrer e ouvir também outras áreas
da sociedade, a exemplo a medicina e religião. Tal comunicação e até mesmo
apropriação do que Bourdieu classifica como Capital social -que provem de
um determinado Campo- ocorre em prol de buscar uma solução equilibrada e firmar
uma decisão para o conflito, decisão essa que constitua um reflexo dos
interesses públicos.
Deste modo, a interpretação
dos Ministros e do Magistrado não foi parcial, mas neutra e universal adquirindo um caráter legitimo. Nas palavras de Bourdieu "o
verdadeiro responsável pela aplicação do direito não é este ou aquele
magistrado singular, mas todo o conjunto dos agentes.", é possível citar
ainda a respeito da retorica de universalidade e neutralidade “
Está longe de ser uma simples mascara ideológica. Ela é a própria expressão de
todo o funcionamento do campo jurídico, em especial, do trabalho de
racionalização”.
Por ultimo, considerando
que o aborto sempre foi um tema polemico e analisando as preposições citadas acima e os interesses/direitos que foram defendidos- autonomia da vontade, liberdade sexual e reprodutiva, saúde, dignidade da pessoa humana, direito a autodeterminação e outros direitos fundamentais da mãe- a resolução adotada pelo Supremo Tribunal Federal de legalizar o procedimento de antecipação terapêutica , deve ser visualizada como um grande avanço do campo jurídico. Ademais, evidencia-se que esse importante acontecimento concretiza uma liberdade que estava sendo negada e demonstra que o direito possui força para atender demandas sociais de emancipação e, ao contrário do que o debate não cientifico a respeito do direito assegura, ele não se resume ao formalismo e instrumentalismo, que faz do direito uma ferramenta dos dominantes.
Lívia Alves Aguiar 1º direito (matutino)
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