- Senta aqui para jantar, moleque
– Ordenou.
-Já vou, deixa só eu matar o
chefão aqui, pai – pede o menino, enquanto aplica habilmente um combo de 12 na
tela do videogame.
- Não tem essa de esperar você –
replicou com voz firme – a comida está quente, a mesa está servida e a família
deve se reunir na hora do almoço.
-Mas é rapidinho, tô quase
matando já – responde enquanto morde os lábios; sua face está marcada pela
concentração. Afinal, se tratava de uma fase particularmente difícil de Mortal
Kombat.
- Eu não quero saber se falta
muito ou pouco pra você terminar este jogo estúpido – disse categoricamente
João, enquanto se levanta calmamente da mesa e vem em direção ao filho. Em
seguida, se aproxima do console e o tira da tomada dizendo – Anda vamos log...
-MEU, O QUE VOCÊ FEZ? – Vociferou
incrédulo o mais jovem – TEM NOÇÃO DO TEMPO QUE EU PRECISE PRA CHEGAR AQUI? QUE
ATITUDE IDIOTA DO CAR...
-Olha essa boca, Lucas – lançando
um olhar penetrante no guri, responde irredutível – Eu sou seu pai, e você me
deve respeito. Além disso, sou eu quem decido as coisas por aqui, sou a cabeça
desta casa, e você é menor de idade ainda por cima, portanto, está duplamente
subordinado a mim.
- Só porque eu tenho 17 anos? Então
quer dizer que hoje eu sou um completo imbecil que não consegue deliberar sem
sua permissão, que não pode fazer o que bem entender, mas que milagrosamente no
mês que vem eu serei dotado de inteligência suficiente para poder discernir?
- Sim, é exatamente isso. É o que
diz a lei.
- Por que diz a lei? – Visivelmente imperturbado – Leis podem ser mudadas, se
necessário.
-É claro que podem, é o princípio
da falseabilidade afinal de contas. Mas as leis são alteradas quando se percebe
que a nossa observação de um determinado evento está equivocada. As leis reais da natureza são imutáveis. Veja
por exemplo, eu sou seu pai e você é meu filho. Não importa o que você fale,
não importa o quanto lute contra isso, essa é uma verdade absoluta, e assim
será até o final dos tempos.
- Quem sabe eu seja filho do
vizinho...
- E mais, cada um aqui tem uma
função dentro de casa. - respondeu sem
demonstrar ter ouvido o filho - Eu trago o sustento, sua mãe limpa a casa, seu
irmão está terminando a faculdade e você precisa arrumar suas bagunças e,
sobretudo, estudar pra dar certo na vida. Aqui não existe nenhum eu, apenas o nós. O
todo é mais importante que a soma de suas partes. A família é a prioridade.
- Agora anda, vamos almoçar que a
comida está esfriando...
O filho o segue sem falar nada.
Mas deixando escapar, em sua face, um olhar sombrio tão sanguinário quanto
aqueles de tal jogo de Combate Mortal.
E assim caminha a família
tradicional brasileira: na busca incessante da ordem para encontrar o
progresso. Repleto de suas leis imutáveis. Carregados dessa constatação
superficial do mundo. Sem se dar conta de que, quando se mergulha numa piscina rasa
de cabeça, alguém acaba quebrando o pescoço.
Lucas Valeriano dos Reis / 1º Direito - Noturno
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