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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Santo Direito

Ainda estudando a obra “Economia e Sociedade, de Max Weber, passamos agora para a análise do Direito e sua relação com o “sagrado”. Weber fala sobre a racionalização do Direito a partir da organização de “principados” e autoridades sacerdotais. A justiça por estes estabelecida é em muito superior a justiça praticada anteriormente pelos clãs, realizada de forma impulsiva, seguindo o clamor popular. Sendo assim, as instituições religiosas, em todas as culturas, contribuíram para uma transformação positiva no Direito, tornando-o menos abstrato e de uniforme aplicação. Contudo, tal transformação é limitada, pois a racionalidade religiosa é limita. É nesse momento que os interesses econômicos entram em rota de colisão com os valores “sagrados”, sendo a vitória sempre a favor do capital. No texto analisado, são expostos alguns exemplos da influência dos valores religiosos no âmbito procedimental jurídico. São apresentados o islamismo xiita persa, o judaísmo, o budismo no oriente e o cristianismo europeu medieval. A influência é diretamente proporcional ao envolvimento do Estado com a religião.



Começando pelo islamismo xiita persa, Weber mostra algumas das barreiras que a religião criou, como para a exploração da terra (bens de raiz). Ao se tornar competência de um tribunal teocrático, seguindo normas que não regulavam a “luta de interesses, o cálculo era impossibilitado por anomia. Por fim, “interesses capitalistas conseguiram impor a supressão dessa competência. O caso é típico quando à influência que a justiça teocrática, por toda parte, opõe e tem que opor, em virtude de seu caráter imanente, à economia racional.” (p. 111, Economia e Sociedade, WEBER, Max.)


Seguindo, o judaísmo, de acordo com o autor, segue uma linha muito parecida à islâmica. No entanto, é interessante ver que a Torá estabelece regras para o convívio entre os próprios judeus; enquanto o “Urim” e o “Turnmim” são normas de interação com outros povos. Criou-se uma tradição interpretativa para a Torá também, teoricamente vinda de Moisés, mas modificada por escribas e fariseus ao longo dos anos. A Torá estabelecia uma série de procedimentos que influenciavam toda a vida do povo. Havia rituais e costumes com fins utilitários, porém repletos de símbolos. Weber explica: “não havia nenhuma separação entre as normas jurídicas compromissórias e normas éticas”. (p. 113, Economia e Sociedade, WEBER, Max.)


O cristianismo, por sua vez, anda na mão contrária às demais. A influência da filosofia clássica e sua hierárquica estruturada de maneira burocrática, como explica o professor Agnaldo de Sousa Barbosa, ao comentar o texto de Weber, fizeram com que o Direito canônico se desenvolvesse ao ponto de conduzir o Direito “profano” à racionalidade. O cristianismo, em uma visão procedimental, não impediu o desenvolvimento do Direito. Em matéria de valores, por sua vez, o pensamento econômico entrou em choque com o catolicismo, haja visto a visão da Igreja quando a usura, casamento, etc.


O budismo, apresentado por Weber em seu texto, também ajudou muito o desenvolvimento jurídico nos países em que esteve como maioria (Ceilão, Indochina, Camboja, Birmânia,etc.). Exemplos disso são a equiparação do homem com a mulher, proteção dos escravos, clemência do Direito penal e a piedade paternal. “Mas, de resto, a mesma ética universal relativizada do budismo estava tão preocupada, por um lado, com a convicção e, por outro, com o formalismo ritual que, nessa base, dificilmente poderia surgir um “direito” sagrado autêntico, como objeto de uma doutrina especial.” (p. 106, Economia e Sociedade, WEBER, Max.)


O grande questionamento que nos vem à mente após avaliar tudo isso, com toda a certeza, é qual a função do “sagrado” no Direito atual. Considerando que em todos os exemplos, a religião inicialmente contribuiu para a racionalização do Direito, para depois se tornar um fator limitante em seu desenvolvimento natural, guiado pelas relações econômicas; qual então a relevância hoje das religiões para a evolução da justiça?


Como dissemos no início do texto, a influência da religião é diretamente proporcional à sua relação com o Estado. Se o Estado brasileiro se julga laico, a influência deveria ser nula. Não é o que acontece. Basta analisarmos as recentes decisões do STF e a repercussão que estas tiveram. A união estável homoafetiva (por mais que este assunto já esteja saturado, inevitável não o citar) foi reconhecida pelo Supremo Tribunal porque nem mesmo o legislativo ousou tratar deste assunto. Todos sabiam o quanto seria complexo lidar com a oposição cristã em um país de maioria católica e onde o evangelhiqueísmo cresce assustadoramente. Ainda mais recentemente, a decisão quanto ao aborto de fetos anencefálicos, nova polêmica. São decisões em que grande parte da sociedade se encontra em desacordo. São posições do governo que afrontam valores religiosos, mas tal batalha não ocorre mais entre principados e sacerdotes. A disputa é entre magistrados, neste caso são eles as autoridades, e o próprio povo. Em uma nação em que o “povo” legisla, em que o governo é do “povo”, pelo “povo” e para o “povo”, um grupo seleto afronta todo o princípio democrático e impõe aquilo que lhe aprouve. Nada contra regimes autocráticos, desde que legítimos. Agir de maneira democrática não é ouvir um grupo, nem mesmo ouvir a maioria, mas agir pelo consenso. Se não há consenso, mantém-se. Democracia é isso.


Enfim, concluindo a partir disso tudo, podemos dizer que nos antigos regimes onde principados e sacerdotes eram autoridades, os valores “sagrados” eram estímulos e empecilhos para o desenvolvimento do Direito. Na atualidade, especificamente no Brasil, a democracia laica continua influenciada pelos valores religiosos, que, no entanto, não vêm mais dos sacerdotes ligados ao poder, mas emanam do próprio povo, assim como o poder (até que se prove o contrário).

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