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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Patologia

Observando-se as “civilizações” antigas, constata-se a grande influência do sagrado sobre o comportamento dos indivíduos. Tal fato levava a uma obediência estrita a esses preceitos como regras, normas a serem seguidas. Ao longo do tempo, ora essa união e influência –sagrado e normatividade – permaneceu, ora desvencilhou-se, ocorrendo uma secularização.

Discorrendo sobre o primeiro caso supracitado, Weber expõe que “persistia a mistura especificamente teocrática de exigências religiosas e rituais com as jurídicas. Nesses casos, começou uma interpenetração difusa de deveres éticos e jurídicos (...) sem precisão formal, isto é, um direito especificamente não-formal” (WEBER, p.101). A partir de então, autoridades viram-se detentoras de poderes, sendo limitados apenas pelas formas compromissórias religiosas. Ademais, ilustram a influência do que é sacro, na esfera cotidiana, e por, conseguinte, jurídica, as sociedades hindu, islâmica. Dentre essa última, o Alcorão e a sunna contribuíram para essa característica, de tal modo que: “o islã não conhece teoricamente quase nenhuma área da vida jurídica em que as pretensões das normas sagradas não impedissem o desenvolvimento de um direito profano” (idem, p.107). Hoje, por sua vez, tal fato persiste. Traços de caráter religioso adentram o universo dos negócios, por exemplo, em que empresas e investidores, na bolsa de valores, engendram mecanismos de forma a coadunarem com as regras sagradas. Além disso, no âmbito do matrimônio – direito civil – a ritualística é seguida (celebração do casamento, bem como o possível rompimento em caso de traição, exemplificando – havendo penas estabelecidas).

Noutra vertente, porém, há o caminho da secularização, a desvinculação do las do ius. Como motivos, encontram-se: interesse da autoridade em racionalizar as normas, ou de grupos de pessoas (como a burguesia) visando à sistematização das mesmas; desejo da constância e calculabilidade do procedimento jurídico, conferindo garantia de liberdade; repúdio ao arbítrio e inconstância subjetivista da justiça não formal. Desse procedimento, adotado principalmente no Ocidente, na contemporaneidade observam-se os variados códigos, leis, processos, constituições – estas, por sua vez, embasadas no aspecto laico. Todavia, apesar de em muitos casos polêmicos, tomar-se a bandeira da extrema racionalidade, conflitando-se e condenando preceitos sagrados, deve-se ressaltar a importância destes na elaboração do direito: “o direito religioso podia encontrar, com a secularização crescente do pensamento, um concorrente ou substituto na forma de um ‘direito natural’ filosoficamente fundamentado, que existia ao lado do direito em parte, como postulado ideal, em parte, como doutrina que com intensidade diversa influenciava a prática jurídica” (idem, p. 101). Outro ponto a considerar, por sua vez, também trata-se justamente dessa racionalização, permitindo o regulamentar de todo um ordenamento, conquistando objetivos outrora desejados (constância, fim do arbítrio do detentor do poder).

Assim, vê-se que, na atualidade, ocorrem tanto a união concreta do âmbito jurídico com o sagrado (em especial no Oriente), bem como a secularização. Nesta, não obstante a busca da racionalidade, é indubitável a observação, em sua maior parte, da influência do sagrado, da ética, da moral nas normas jurídicas – suas bases formadoras. Tal fato, em determinadas situações é criticado e repudiado, principalmente nos polêmicos, com o discurso de ser característica retrógrada. Mas seria um real avanço permitir, por exemplo, a morte de crianças no ventre da mãe? Ou seria retrocesso? Fato é que somente aspectos sagrados na condução das normas (muitas vezes não positivadas); ou apenas o aspecto racional das mesmas, desvinculado de considerações humanísticas levam ao risco de abusos, negação da dignidade e patologias, nas esferas do poder e do meio jurídico.

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