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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A atualidade do caráter invasivo da religião

O Direito nasce indissociado da religião, como técnica de formalização dos postulados sagrados e imposição de sansões. Diversas foram as transformações ocorridas para que se propusesse a separação entre esses dois institutos, ou seja, a laicização do Estado e do Direito.

É possível perceber, no entanto, que a dissociação não foi completa, a ruptura ocorreu no plano formal, mas de fato, ainda há muito do ‘sagrado’ no direito.

“... fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” Esse é o trecho final da Constituição brasileira de 1988. Como pode um Estado ‘laico’ estar ‘protegido por Deus’? essa é só uma das controvérsias geradas pela sacralidade X laicidade do direito. A influência da religião vai muito além, os grandes conflitos normativos reais do direito, ou seja, aqueles referentes a princípios fundadores das normas geralmente são entre princípios de origem iluminista/liberal e princípios oriundos da moral judaico-cristã.

Um exemplo é o conflito existente no caso do abortamento de feto anencéfalo. Alguns julgados julgam procente a ação para a realização do abortamento, enquanto outros tribunais, julgam improcedente. A explicação para julgar-se diferentemente casos praticamente idênticos está no princípio considerado mais importante para os juízes. Para alguns é o de dignidade da pessoa, criado no contexto iluminista, que levado ao extremo considera o feto desprovido de cérebro sem dignidade, ou seja, seu direito à vida é condicionado pela dignidade; Para outros, o direito à vida é absoluto, esse princípio é notadamente de origem sacra, e influencia o direito de maneira exorbitante. O mesmo ocorre no caso da eutanásia.

A religião tem o poder de transformar alguns temas em tabus, torna-los indigestos, desviar deles a racionalidade. Alguns tabus começaram a ser quebrados de maneira mais evidente como a virgindade, a homoafetividade, o divórcio, entre outros; mas o estigma e algumas vezes repulsa, em todos eles, permanece, em intensidade variada.

Fazer com que um Estado de Direito seja o mais próximo do racional e laico possível é um desafio, pois os cidadãos a esse Estado submetidos quase sempre possuem uma religião, assim como os operadores do Estado e, mais especificamente, da Justiça. Sendo assim, a luta por um governo sem preceitos morais sacros nada mais é do que reflexo da luta contra os preconceitos, tabus e ídolos na própria sociedade, como já dizia Bacon em relação ao método das ciências. O direito poderá se tornar mais razoável a medida em que a religiosidade não se extinga mas perca seu o caráter invasivo, presente nas doutrinas mais difundidas, que consiste em persuadir/constranger o outro a acatar suas leis morais.


"Época triste a nossa, mais fácil quebrar um átomo do que o preconceito!" - Albert Einstein

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