Na teoria, e quase na prática, podemos dizer que o Direito independe de aspectos sagrados e religiosos, consolidando-se como uma ordem autônoma que se baseia essencialmente na racionalidade. Weber procura, nesse sentido, apontar duas características que o Direito deve possuir: o desencantamento e a impessoalidade. Assim, não deve expressar aspectos que excedam o limite da realidade (mágicos, sobrenaturais, etc) e não deve, tampouco, privilegiar interesses específicos de um determinado grupo ou setor social.
Entretanto, se fizermos uma análise mais profunda das situações em que o Direito atua em locais diversos do mundo, não será difícil notar que, ainda hoje, não há uma separação completa e bem delineada entre as normas jurídicas na resolução de conflitos e a esfera da religião, que encontra bastante espaço nas consciências coletivas, principalmente no que diz respeito à moralidade, à ética e a outros princípios dessa natureza. Dessa maneira, há muitas questões delicadas que o Direito enfrenta na atualidade e que levam a normas que podem entrar em conflito com a concepção religiosa predominante. A Igreja não raro se manifesta contra acontecimentos do mundo que se opõem aos seus preceitos. E esse não é um problema estritamente recente: até mesmo no direito antigo as regras religiosas se distanciavam do direito mercantil, com a normatização contratual; iam contra a usura e as normas de utilização de locais sagrados, para citar alguns exemplos. Por esses motivos é que não podemos afirmar convictamente que a organização das sociedades, incluindo no que se refere ao direito, onde quer que seja, está cem por cento desvinculada do aspecto "sagrado".
Muitos países se orientam de acordo com um direito consuetudinário, costumeiro, e neles é o que acontece no dia-a-dia, na prática e na convivência dos cidadãos que determina as normas e a maneira das pessoas de administrarem suas relações e negociações. Além disso, não podemos esquecer os países islâmicos, onde o Alcorão, livro sagrado do Islã, é a mais importante fonte da jurisprudência. Sendo assim, será que podemos considerar esse direito "racional" e "desencantado", como se espera que todo direito seja?
É importante ressaltar também que, desde os primórdios do direito, os líderes políticos tem procurado se desobrigar de quaisquer limites que não sejam estritamente as normas religiosamente sagradas, o que suscita o seguinte questionamento: é mais fácil governar com leis divinas ou com leis terrenas? Seja uma ou outra, o fato é que os governantes sempre procurarão utilizar-se do máximo número possível de mecanismos para aumentar o seu poder de dominação. Com isso, também não podemos afirmar completamente a impessoalidade do direito.
Em suma, é de fácil constatação que, mesmo que não seja de maneira tão nítida, o sagrado tem sim espaço no Direito atual. Talvez não tanto no aspecto formal do mesmo, mas é inegável que, mesmo no Brasil, que é um estado laico, a religião exerce uma forte influência no modo de pensar das pessoas e determina muitas de suas condutas, condutas estas que certamente refletem na consideração das normas e penas. É por isso que algumas pessoas se revoltam contra acontecimentos jurídicos que contrariam seus valores sagrados, suas crenças e motivações. De maneira geral, a crença é algo que não podemos tentar suprimir, pois fará sempre parte da nossa organização social. Embora o Direito busque constantemente afirmar o seu caráter racional e independente, há de se admitir que o sagrado ainda é levado muito em consideração na maneira com que as normas são recebidas e aplicadas, afinal, tanto o direito quanto a religião visam, acima de tudo, ao bem comum. Muitas vezes o Direito oscila, como numa corda bamba, pendendo para um lado ou para outro. Trata-se, portanto, de uma questão de encontrar o equilíbrio correto, a medida certa, entre o sagrado (muitas vezes indefinido) e o concreto racional.
(Tema 1: O espaço do sagrado no direito atual)
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