Sentado em sua
cadeira de balanço, encarando uma cumbuca com algo que lembrava um mingau de
aveia, seu Manuel reflete sobre como a realidade de um velho viúvo habitante de
um asilo em São Paulo é deprimente e sem importância. No alto de seus oitenta e
cinco anos, seu Manuel se sente ultrapassado, inútil, desvalorizado: sua
experiência de nada mais serve.
Hoje em dia
esse é um cenário muito comum. Vivemos em uma sociedade em que o conhecimento é
atualizado diariamente e o conhecimento prévio perde rapidamente seu valor e
acaba descartado. O que acontece com os idosos parece ilustrar essa maneira de
pensar: eles perdem sua importância como transmissores de conhecimento e passam
a ser considerados um fardo para a família, alguém cuja opinião não tem mais
relevância. Por isso, tantas vezes, acabam impiedosamente esquecidos em asilos,
onde têm todo tempo para sofrer com a perda de suas funções dentro de uma
sociedade tão frenética com relação à evolução do saber.
Pode-se
remeter à origem dessa característica pós-moderna ao pensamento Cartesiano e
sua incessante busca pela verdade. Em suas especulações, Descartes defende o
uso imperial da razão para se chegar à verdade, lançando ao mundo uma
prerrogativa que perdura até os dias de hoje: "nunca aceitar algo como verdadeiro
que eu não conhecesse claramente como tal; ou seja, de evitar cuidadosamente a
pressa e a prevenção, e de nada fazer constar de meus juízos que não se
apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito que eu não tivesse motivo
algum de duvidar dele". (Descartes, O Discurso do Método, p.49). Tal prerrogativa
é vastamente utilizada pela ciência moderna, em que a única forma de se
demonstrar a validade de um conhecimento é através da razão.
Diante disso,
qualquer experiência empírica corroborada predominantemente pelos sentidos,
deve ser descartada, já que é muito provavelmente enganosa: "a nossa
imaginação ou nossos sentidos jamais poderiam garantir-nos coisa alguma, se o
nosso juízo não intervisse" (Descartes, op.cit., p.22). É neste
contexto que entendemos que as experiências vividas pelos mais velhos acabam
perdendo seu valor, já que elas são fundamentalmente baseadas em acontecimentos
e emoções vividos por eles; são, segundo o pensamento cartesiano, enganosas,
não confiáveis e, portanto, facilmente atualizáveis e esquecíveis.
Desiludido por
saber que já não tem mais o tempo necessário para demonstrar suas opiniões e o
quanto a forma de conduzir sua vida e sua razão podem ser válidas, a única
coisa que resta a seu Manuel é se lamentar e tomar seu suposto mingau de aveia.
Tiago de Oliveira Macedo, 1º ano - Direito diurno - aula 2
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