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segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Da repressão arcaica à justiça racional: o lento evoluir do direito restitutivo

    Trazendo à tona um tema muito recorrente em nossa sociedade, ainda marcada por resquícios da mentalidade das sociedades arcaicas, o filme “Código de Conduta”, dirigido por F. Gary Gray, vem contar a caminhada de Clyde (Gerard Butler), pai de família que, após ver sua esposa e filha serem assassinadas de maneira sórdida, apela ao judiciário e, no entanto, é obrigado a aceitar que se cumpra apenas “meia justiça”: somente um dos criminosos, por um acordo realizado com o próprio promotor, seria condenado à morte. Como justificativa para tal proposta, o promotor alega simplesmente que a tal “meia justiça” seria melhor do que nenhuma, e que se deveria aceitar o fato de que aquele era um sistema falho.

    Vendo-se, assim, duplamente afetado, tanto pelos assassinos de sua família quanto pela falsa justiça de seu país, Clyde decide punir sumária e cruelmente todos aqueles que contribuíram de alguma forma para a sua desgraça (tanto com a morte de sua esposa e filha quanto com a supressão da verdadeira justiça a ser realizada por lei), sem dúvidas superando as atrocidades cometidas anteriormente.

    É um fato que, mais amena ou intensamente, exteriorizando-os ou não, todos temos impulsos de realizar justiça por conta própria em se tratando de atrocidades cometidas até mesmo com animais, que o diga com seres humanos, ainda mais aqueles por quem sentimos afeto e instinto de proteção. Ainda é existente a necessidade moral e emocional de que o malfeitor experiencie, de alguma maneira, as mesmas dores sofridas pelas vítimas, seus amigos e familiares, não bastando a pena legal, a qual, além de tudo, é na maior parte das vezes corrompida. Essa é uma realidade, portanto, não só intimamente relacionada com as inevitáveis falhas e corrupções do sistema judiciário, mas também, como já evidenciado na obra de Durkheim, originária da permanência nas sociedades atuais, de noções de justiça ligadas ao arcaico direito repressivo, próprio das sociedades onde imperava a solidariedade mecânica e segundo o qual não se deveria simplesmente restituir a normalidade da situação, mas proporcionar ao delinquente uma punição similar aos seus atos moralmente reprováveis.
   
    Faz-se necessário, porém, relembrar que, ao nível de desenvolvimento político, sociológico e criminológico em que nos encontramos, é inviável que continuemos a defender a aplicação de tal espécie de pena, dentro ou fora da Justiça. A complexidade social e intelectual que atingimos não só nos permite, mas nos pressiona a julgar as mais diversas incidências criminais de maneira racional e equilibrada, ponderando suas causas, seus objetivos e a conjuntura em que se deram para então defender que se aplique uma pena a elas compatível, firme e veementemente.

    É evidente que aqueles que possuíam qualquer vínculo afetivo com a vítima jamais terão a tranquilidade e plenitude de suas vidas restituídas por tal método, mas a reaplicação da crueldade tampouco terá a mesma função. É verdade que o judiciário inevitavelmente é falho, por inúmeros motivos, mas o que se deve objetivar é o progresso, ou seja, a tentativa de construção de um sistema mais íntegro e eficiente. Essa, sem sombra de dúvidas, é uma dificílima tarefa, que infeliz mas provavelmente, talvez jamais seja cumprida em sua totalidade, mas de qualquer maneira mais promissora do que visionar um remoto passado de onde emanaria tão somente a passional Justiça primitiva, bárbara e atroz, igualando em seu cumprimento indivíduos honestos a criminosos.

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