Quando discutimos o Direito, percebemos que cada indivíduo possui uma concepção diferente. Muitas vezes, aquilo que para uns pode parecer errado e digno de proibição é totalmente normal para outro determinado grupo. Seria então o Direito uma ciência relativa? Quando se institui uma lei em determinada área, levam-se em conta os valores da população que ali vive. Se todos os conceitos fossem relativos, o Direito tornar-se-ia inútil. Não é assim que o Direito positivo funciona. Para ser aplicado, necessita de aceitação consensual. É exatamente por isso que o Direito natural não é passivo de aplicação, não há uma conceituação do que é um Direito nato ao homem, muito menos um consenso.
Entendendo que o Direito não pode ser relativo, podemos aceitar que a Justiça pode ser medida? Existe uma régua ou um termômetro que calcule se algo é mais ou menos justo? É óbvio que não. Dessa forma, dizer que “alguma justiça é melhor que nenhuma” não faz o menor sentido. Ou algo é justo, ou não o é. Ou uma dívida é saudada, ou ela permanece. Ou uma pessoa recebe o que é seu por direito, ou não o recebe. Não se pode quantificar a Justiça. A balança jamais estará “meio” equilibrada.
É sobre isto que fala o filme “Código de Conduta”. Nele, um homem que perdeu a esposa e a filha em um assassinato brutal, faz com que não apenas os assassinos paguem pelo que fizeram, como também todo o sistema que não os puniu de forma descente, sofra com suas escolhas. Sendo assim, o advogado, que não conseguiu impedir a decisão da corte, a juíza, que libertou os réus, e o promotor, que negociou com os acusados, se tornam alvos da vingança de um homem de família. Seu argumento: “eles devem pagar pelo que fizeram”. Não bastava os assassinos morrerem, eles precisavam sofrer. Da mesma forma, cada um dos envolvidos no processo necessitava entender as consequências de suas atitudes.
A grande questão a ser levantada é: o que é verdadeiramente justo? Esse é o debate do Direito Penal. Não basta definir quais ações são criminosas, porém como uma ação criminosa será corrigida. Já dissemos que o Direito precisa vir de um consenso, é a positivação dos valores e da moral popular. Mas podemos deixar que o desejo da maioria defina a punição justa? Apenas um legislador insano faria algo do tipo. O filme aqui citado deixa mais uma lição neste momento. Permitir que o clamor popular, que as paixões das massas, definam a punição “justa”, é permitir a tortura, os linchamentos, a pena de morte, etc. O Direito atende ao clamor popular, contudo protegendo o povo de seu próprio clamor. Seguir os valores dominantes não é seguir as paixões que explodem a cada caso. O Direito só possui valor quando fixo, empregado homogeneamente. Ele pode evoluir, transformar-se ao longo da história, seguindo a modernização da sociedade. Diferentemente dos valores e da moral, as paixões se transformam a todo instante de forma imprevisível. Ela é flexível, de fácil manipulação.
Para exemplificar a periculosidade das paixões, usemos a própria lei em vigor. Um dos motivos da prisão preventiva no Brasil é a proteção do próprio réu. No caso da criança “Isabella Nardoni”, pai e madrasta foram presos antes do julgamento por sua própria segurança, já que a população se comoveu de tal forma a decidir matá-los, se possível, antes mesmo do final das investigações. Se ele fossem mantidos em liberdade, não sobreviveriam. Na cadeia, longe do ódio popular, apesar de desconfortáveis, estariam seguros. A paixão é cega, ela não dá importância ao devido processo legal, ao julgamento imparcial, etc.
Conclui-se assim que a boa lei, o procedimento justo, é aquele que, de forma imparcial, faz com que aquilo que a sociedade concorda que é errado seja punido conforme o prejuízo que a ação traz ao restante dos indivíduos. Sem misturar paixão com moral, o jurista deve optar sempre pela preservação do que se entende por Direitos Humanos. Pensando assim, positivaram-se alguns direitos fundamentais na Constituição Brasileira de 1988, por exemplo. Valores consensuais, equivalência na pena, preservação de Direitos, a combinação ideal para um bom legislador e um bom aplicador do Direito. Sem relativismos, apenas a lei eficaz posta em vigor e prática.
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