“É preciso que haja consequência para o delito, que o direito penal seja efetivo. No entanto, quando for aplicada a pena, é necessário que o sistema prisional cumpra sua finalidade de ressocialização. As penas não existem apenas para punir. Elas devem preparar a pessoa para que saia em condições de ser reabsorvida pela sociedade. E isso não acontece até hoje.” (Ellen Gracie, ministra do STF, em entrevista à Revista Veja de 31 de agosto de 2011)
Ellen Gracie, em suas palavras, revela os conceitos de direito repressivo e restitutivo presentes na teoria de Durkheim. Segundo este, o primeiro refere-se às sociedades primitivas, nas quais a consciência coletiva possuía forte influência e por meio da qual a pena era executada com o intuito de punir (vingança e preservação). O segundo, por sua vez, liga-se à finalidade de restituir, no que é possível, a ordem corrompida (no caso, a ressocialização seria uma dessas formas). Além disso, essa ordem caracterizadora da sociedade (moderna) seria análoga ao funcionamento de um organismo: cada órgão em sua função, mantendo o “todo”. Nesse último aspecto, por conseguinte, adentra o direito de maneira racional, isto é, com a especialização das funções dos indivíduos, a norma jurídica passa a regular com sanções específicas, estabelecendo técnicas, formando um sistema.
É justamente desse sistema que trata o filme “O Código de conduta”. Nele, o personagem Clyde vê sua esposa e filha serem assassinadas, sendo incapaz de impedir tais atos. Procura a Justiça, na pessoa do promotor Nick, que lhe responde de modo insatisfatório: para não arriscar ver os culpados livres, decisão que seria fundamentada em brechas da lei, realiza um acordo por meio do qual um dos bandidos fica preso por alguns anos. “Não se trata do que se sabe, mas do que se pode provar no tribunal”. Com essa frase, Nick revela o tratamento da lei como uma máquina, o que leva Clyde a fazer justiça com as próprias mãos.
Transferindo o fato para a realidade, o que se observa é muito semelhante. Há brechas na lei, furos no sistema, que permitem válvulas de escape, fugas do criminoso à restituição de seus atos, impunidade. Somado a isso, a presença de consciência coletiva forte na população, alimentada por determinados programas de TV, levam-na a atitudes de vingança, a realizar por si mesmas a justiça adequada para elas. Desse modo, tem-se uma espécie de sociedade “autoritária” - quer ver punição exemplar, ver o criminoso pagar pelo que fez- desejosa do “julgamento por inteiro” esbarrando em “falhas” do regime legal. Daí muitas vezes, surgem linchamentos e outros atos exaltados e enfurecidos.
Com isso, portanto, não digo que diante de impunidades, não se podem gerar revoltas; todavia, não se justificam tais atos vingativos em razão dessas falhas. Assim, como já mencionei em postagens anteriores, compete ao profissional do direito, lançando mão dos recursos de que dispõe, e do senso humanístico que supostamente deveria ter, fazer cumprir a justiça. Deve agir assim para que “haja consequência para o delito, que o direito penal seja efetivo”. Dessa maneira, o corpo social possuiria um sistema de defesa mais seguro, no qual seria difícil antígenos escaparem da ação de anticorpos legais, mas isso, infelizmente, também não acontece de modo satisfatório até hoje.
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