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domingo, 26 de maio de 2019

A individualidade do fracasso: você é o culpado.

  Em certo momento, no primeiro capítulo da obra ‘’A Corrosão do Caráter’’, de Richard Sennett, o personagem Rico expõe que enfrentou uma crise, e que teve de tomar uma decisão. Essa ‘’crise’’ é o fato de ter sido demitido da empresa em que trabalhava, a qual estava realizando um ‘’enxugamento das operações’’.
 Fato interessante, e apontado pelo autor, foi a escolha de palavras que o homem utilizou para descrever a situação; Rico não falou ‘’fui demitido’’, mas, sim, ‘’enfrentei uma crise’’. Esse afastamento que o personagem coloca entre a relação dele com a empresa demonstra um sentimento de culpa por parte de Rico em ter sido desligado da firma. Ele não achava injusto os cortes que a empresa fazia, entendia, mesmo que não de forma consciente, que a fluidez do mercado e a demanda por mais e mais capital era algo comum ao sistema em que estava inserido.
 ‘’Fiz minhas próprias opções; assumo toda a responsabilidade por tantas mudanças’’. Essa foi a fala de Rico sobre a decisão que teve de tomar quando foi demitido. Aqui, há a percepção – por parte de Rico – de que o único culpado por seus rumos é ele mesmo, a ideia de ser o autor de sua vida. No sistema capitalista, há a tendência de culpabilizar o indivíduo singular por todos os rumos que a vida desse ser humano possa tomar. Ignora-se todas as bases, estruturações, oportunidades e situações pelas quais a vida daquela pessoa estava circunscrita. Denominam a conquista daquilo de melhor que o novo capitalismo pode oferecer de mérito próprio, e toda a não-conquista, fracasso.
  Mesmo tendo em muito ascendido socialmente em relação a situação socioeconômica de seu pai e ser um ‘’exemplo’’ aos outros – como o capitalismo gosta de propagandear – Rico demonstra culpa pelas situações de sua vida, acaba assumindo uma culpa pela instabilidade que o próprio sistema causa. Os sentimentos constantes de culpa e fracasso permeiam o psicológico de muitos dos indivíduos que vivem o novo capitalismo: a vida estável e ideal que ‘’todos’’ são capazes de alcançar praticamente nunca é atingida. A falácia de que todos são capazes de viverem felizes e confortavelmente e de terem objetos materiais (muitas vezes completamente supérfluos, mas que se tornam necessários para a inserção do indivíduo no sistema), se derem o seu melhor trabalhando arduamente, acaba por criar a ideia do ‘’eu, autor; merecedor ou perdedor’’. É essa ideia que cria, em muitos, aquela sensação constante de culpa e de estarem falhando. Os ideais capitalistas sobre ser perdedor são cruéis: você, indivíduo, só não atingiu determinado objetivo porque não deu tudo de si, você é o único culpado, você fracassou. Você é uma vergonha para si e para os outros. Fracassado.
 Não é por acaso que o século XXI é permeado pelos fenômenos sociais da depressão, da ansiedade e do suicídio. A cobrança para ser ‘’superador’’ de todos os obstáculos, para ser um vencedor, é absurdamente pesada e constante. A individualização da culpa gera insatisfação e decepção com si mesmo.


TEMA 5: Enxugamento das operações das empresas, Rico e sua forma de lidar com as consequências ''Assumir responsabilidade por si mesmo'', fenômeno social do fracasso?

Anielly Schiavinato Leite
1° ano - direito noturno

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