A concisão que Sennett proporciona no primeiro capítulo "Deriva", do livro "A corrosão do caráter", acerca das transformações sociais no novo capitalismo é evidenciada ainda como uma narrativa. Digo, a maneira como o autor transpassa quase todas as características conflituantes e paradoxais entre a geração pós 45 e a geração do final do século XX/começo do XXI é feita de uma forma impressionantemente fluida e límpida.
Nesse contexto, o maior desafio de Rico seria como transmitir valores éticos aos seus filhos, como lhe foi passado pelo pai Enrico, que necessariamente concorde com alguns princípios de sua geração. No debate acerca das qualidades do bom trabalho não serem indispensavelmente as qualidades do bom caráter, foi levantado a suposição de que uma pessoa corrupta no trabalho dificilmente transmitiria bons costumes aos filhos. Discordo desse pensamento, não na essência da fala, mas por acreditar que o verdadeiro dilema estaria em: uma pessoa pontual, produtiva e organizada no trabalho possui necessariamente um bom caráter?
Dito isso, será que a flexibilização do trabalho realmente proporciona maior conforto ao laborioso? Ou será que é justamente isso que lhe possibilita uma escravidão e um rendimento de 24 horas por dia? Seria possível ensinar confiança aos filhos quando, no mundo em que se vive, não confiamos em mais ninguém?
A liquidez dos relacionamentos nos tornou escravos de uma individualidade que nos faz solitários e reféns de um fracasso que nem mesmo existe. O capitalismo inseriu em nós um imediatismo tão rigoroso que não se é permitido ao menos conhecer aqueles que estão ao nosso redor diariamente. E é aí que entendemos profundamente o dilema de Rico: por também fazer parte dessa geração do instantâneo, nos está tão intrínseco a falta de ligações fixas que é quase impossível mostrar a quem amamos valores que não sejam efêmeros.
Por fim, acredito que, assim como é mencionado pelo autor no final do capítulo, a grande singularidade não está na incerteza e inconstância da nossa geração, mas no fato dela não ser fruto de um grande desastre iminente, pelo contrário, está presente cotidianamente no novo e vigoroso capitalismo.
Laura Tamiê - Direito noturno
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