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quarta-feira, 20 de junho de 2018

O Direito e a união com a sociedade.



      A ADPF 54 colocou nas mãos da Suprema Corte brasileira a decisão sobre descriminalizar o aborto em casos de gravidez de fetos anencefálicos. Com isso, grande polêmica foi gerada na respectiva sociedade do país, levando-a a indagar se essa foi a melhor decisão que o STF deveria ter tomado. Assim, as justificativas contra a decisão, enfatizaram o fato de a letra da lei do Art. 128 do Código Penal, não deixar literalmente expressa que esse caso de aborto não deveria haver punição. No entanto, traz-se aqui os dizeres do sociólogo Pierre Bordieu acerca do Direito e do sistema jurídico, como um todo, que criticam essa posição baseada em excessos teóricos como o de Kelsen, por exemplo, que não condizem com a condição de direito como questão real da prática social. Nesse sentido, o autor desaprova essa postura racionalista a respeito dos fatos jurídicos que se afastam da realidade social, bem como essa limitação apenas ao que está contido literalmente nas leis, como a que foi vista no caso da justificativa contra a posição do STF a respeito da questão dos abortos de anencéfalos.
      Nesse sentido, o mesmo autor afirma que a busca do Direito por um caráter de neutralização, bem como o de universalização d as normas, influencia diretamente nas práticas jurídicas, uma vez que expressa esse processo de racionalização, o que ignora, por conseguinte, a realidade social em que se vive na determinada sociedade a qual isso tudo se aplica. Por conseguinte,pode-se afirmar que, expressivo exemplo disso está contido na tentativa de se justificar a criminalização do aborto em caso de gravidez de fetos anencefálicos, por meio da interpretação literal do que aborda o Art. 128, que não menciona, por ora, esse caso específico de aborto. Entretanto, deve-se pensar que, buscando fugir desse rigorismo criticado por Bordieu, as doutrinas do Direito, como, por exemplo a de Silvio de Salvo Venosa, atentam para o fato de que a hermenêutica, processo interpretativo que vai além do que é expresso na letra da Lei, é um recurso legítimo da prática jurídica e papel fundamental dos juízes, o que não permite, então o arrebatamento ao recurso utilizado pelo STF na ADPF 54.

      Nesse viés, é essencial salientar que Bourdieu concorda com esse artifício interpretativo como meio de aproximar-se do corpo social ao qual o Direito se dirige. Desse modo, não é atoa que  afirma, em suas palavras, que os juristas e os juízes dispõem todos, embora em graus muito diferentes, de explorar da polissemia ou da simbologia das fórmulas jurídicas, para que não se aplique apenas o que diz uma lei em seu caráter literal, utilizando de recurso interpretativos bem como o de analogias para superar as ambiguidades e lacunas existentes na lei. Assim, por que então atacar uma postura judicial que segue seus recursos para se aproximar do que pede o corpo social? Sabe-se, que muitas mães, ao saberem que estão grávidas de um feto anencefálico, sofrem psicologicamente e emocionalmente com isso, e não conseguem ter o desejo de prosseguir com uma gravidez que logo que findada com o parto, na maioria dos casos, tomará seu bebê após longos 9 meses de gestação. Com isso, surge o anseio de cessar com a gravidez o quanto antes para poupar mais sofrimento, além de riscos ofertados à saúde da mulher com uma gravidez desse tipo. Indaga-se aqui, o por que de se dizer não a esse anseio presente em parte da sociedade brasileira, se, como pontua Bordieu, é justamente isso que o Direito deve atender, por meio de pessoas que possuem o Capital Simbólico, ou seja, o conhecimento jurídico necessário para isso, no caso abordado, o Supremo Tribunal Federal brasileiro. 
      Nesse contexto, deve-se considerar as críticas de Bordieu a respeito do Direito e do sistema jurídico e enxergar como seu papel fundamental aproximar-se da sociedade brasileira. Em concordância disso, o mesmo autor utiliza-se de pensamento de Eugen Ehrlich, que diz que: “O centro da gravidade do desenvolvimento do direito (...), na nossa época, como em todo o tempo, não deve ser procurado nem na legislação, nem na doutrina, nem na jurisprudência, mas sim na sociedade ela própria” (EHRLICH apud BOURDIEU, 1989, p. 241). Obviamente que, pontuadas as ressalvas, o Direito deve buscar esse olhar para os anseios sociais e unir isso a seus métodos práticas e aparatos legislativos. Só assim haverá a superação desse rigorismo formal existente no corpo jurídico ao passo que vai se solidificando a relação entre Direito e sociedade.

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