Total de visualizações de página (desde out/2009)

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Armas simbólicas

O campo jurídico tende a adotar o direito na forma de dominação, sendo essa sua competência absoluta,ou seja, analisar os casos apenas pelo seu viés. Essa realidade demonstra a fragilidade que por ventura pode ser empregada em uma decisão judicial, pois a visão sociológica pode não ser um objeto válido para o magistrado. O capital simbólico do qual retrata Bourdieu em sua obra "O Poder Simbólico", traduz bem essa questão unilateral de pensamento. Cada individuo ao longo de sua história  adquire um capital de saberes, seja jurídico, econômico ou sociológico, sendo através dele que ocorrerá a sua construção dos pensamentos. Dessa forma, a hierarquização do direito tente a ser inscrita no "habitus" do individuo do qual opera o direito, o que significa que ele incorporá para si suas disposições sociais.

A partir desse fundamento, o julgado analisado que trata sobre os anencéfalos, ADPF nº.54, retrata essa perspectiva de controle da vida social pelo monopólio do direito. A mãe de uma criança sem perspectiva de vida é submetida a opinião de pessoas que não passam ou não passaram pela sua realidade, que não entendem o sofrimento de 9 meses de angústia... Um relato interessante desse ponto de vista é trazido pelo documentário "Uma História Severina", onde a mãe é barrada um dia antes da realização do procedimento interruptivo terapêutico devido a uma oscilação de posicionamento da corte suprema. Nesses casos ocorre uma violência simbólica contra a mulher pela sociedade, muitos acham e defendem o feto como um fruto da vida, independente de sua atividade cerebral; independente de normas constitucionais que priorizam a dignidade da pessoa humana; independente da saúde da mulher, ponto este colocado pelos médicos!Em consonância a esse posicionamento de defesa, o Ministro Mello relata na página 33 do julgado:

''Inescapável é o confronto entre, de um lado, os interesses legítimos da mulher em ver respeitada sua dignidade e, de outro, os interesses de parte da sociedade que deseja proteger todos os que a integram – sejam os que nasceram, sejam os que estejam para nascer – independentemente da condição física ou viabilidade de. O tema envolve a dignidade humana, o usufruto da vida, a liberdade, a autodeterminação, a saúde e o reconhecimento pleno de direitos individuais, especificamente, os direitos sexuais e reprodutivos de milhares de mulheres. No caso, não há colisão real entre direitos fundamentais, apenas conflito aparente.''

O STF, por ser o detentor da hermenêutica normativa, por "traduzir" as justiças sociais em consonância com a Constituição tem se mostrado prestativo nos últimos tempos, mas ainda assim colocam o posicionamento da sociedade, que muitas vezes não é o justo, em seus discursos mesmo sendo através da explicação de posicionamento, como o caso trazido pelo Ministro Marco Aurélio Mello ao colocar em seu texto o fato óbvio do regime laico brasileiro. Mesmo com algumas críticas, as decisões estão atingindo um conteúdo mais prático, tem se explorado mais a questão das regras possíveis. O direito tem se mostrado um discurso atuante, os seus enunciados comprovam isso, por exemplo, com a legitimação do aborto terapêutico para os casos de anencefalia. O direito está legitimando o poder de transformação. Estão progredindo, ou como diria Bordieu "estão utilizando eficazmente as armas simbólicas para triunfar a sua causa".

Nenhum comentário:

Postar um comentário