A questão debatida pelo Supremo Tribunal Federal
em 2012 sobre a ADPF 54 que questionava a interrupção de gravidez em casos de
fetos anencéfalos é a aplicação prática do conceito de espaço dos possíveis de
Pierre Bourdieu, ao se discutir as implicações jurídicas e sociais envolvidas
no debate os ministros do STF usaram de argumentos legais para o ponderamento
dessa complicada questão, o próprio relator Marco Aurélio Mello aborda os
valores morais encarregados de capital cultura , o direito a vida e a autonomia
da mulher elencando os elementos que compõe o habitus conceituado por Bourdieu.
O ministro Marco Aurélio reserva parte de
sua decisão a reiterar a separação entre o Estado e a Igreja demonstrando que os
valores morais religiosos não demonstram maior importância perante os
mecanismos jurídicos do Direito e com isso o relator também afasta as influências
do capital cultural de boa parcela da população em sua decisão se restringindo
ao ideal do espaço dos possíveis que compreende somente os meios legais para
ponderação, esse distanciamento de valores exteriores leva o ministro ressaltar
o caráter de Estado laico para assegurar a permanência da discussão no espaço de
Bourdieu.
Dando seguimento Marco Aurélio aborda um
dos principais direitos fundamentais, o direito a vida, descaracterizando o
feto anencéfalo como potencial ser dotado de vida e consequentemente de personalidade,
ou seja, ao não possuir expectativa de vida o feto anencéfalo não adentra o
espaço de vida jurídica e a partir dessa perspectiva a discussão passa a refletir
sobre a proteção de direitos fundamentais não do feto mas da gestante que de
fato possui vida e está dotada de um habitus que traz implicações a essa
gravidez.
Em relação a proteção dos direitos
fundamentais da mulher a discussão explora as consequências do processo de 9
meses de gestação de um natimorto, a obrigação de conceber um feto anencéfalo
morto restringe a autonomia da mulher e o seu direito a dignidade através da decisão
do Estado. Através de sua decisão de possibilitar a interrupção de gravidez o
Estado atua no espaço que lhe é cabível e mantém o seu dever de garantir a
defesa dos preceitos constitucionais refletidos na possibilidade de decisão da
mulher.
Ao calcar sua decisão no espaço dos possíveis
o STF se mantém fiel aos seus limites e atribui a decisão desse ato a mulher,
dotada de um capital cultural autônomo e incluída num habitus em que sua
estrutura não a impõe o peso do poder simbólico em sua decisão.
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