O sociólogo francês
Pierre Bourdieu destacou-se em sua crítica ao direito que atende princípios
formalistas e instrumentalistas. Os primeiros tendem a colocar a ciência
jurídica como submissa a classes socialmente dominantes, enquanto os segundos
enxergam essa ciência como força autônoma diante das opressões sociais.
Bourdieu em contrapartida defende um direito que seja capaz de alinhar a
“lógica positiva da ciência” e a “lógica normativa da moral”. A fim de ilustrar
esse pensamento pode-se analisar um dos julgados da história nacional, que
aplica-se ao conceito “espaço dos possíveis”, em decorrência de uma
extraordinariedade que confere legitimidade ao poder judiciário.
No ano de 2002 a
nação brasileira presenciou um marco para a hermenêutica jurídica, o STF julgou
a procedência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54,
resolvendo pela desconsideração como aborto casos de interrupção terapêutica
induzida da gravidez de um feto anencéfalo. Os juristas argumentaram em
recorrência da lógica jurídica e científica, como o artigo 28 do código penal
que prevê uma causa de excludente de ilicitude, tendo em vista os possíveis
riscos à saúde da gestante, já medicinalmente comprovados, como aponta o doutor
Jorge Andalaft, representante da Federação Brasileira das Associações de
Ginecologia e Obstetrícia, “mulheres gestantes de feto anencéfalo apresentam
maiores variações do líquido amniótico, hipertensão e diabetes, bem como
aumento das complicações no parto e no pós parto”. Recorre-se também a argumentos
de caráter ético, pois proibir a interrupção da gestação contradiz preceitos da
dignidade da pessoa humana ao violar o direito de privacidade e intimidade,
aliado à ofensa à autonomia da vontade da mulher como já justificou a
Organização das Nações Unidas (ONU). Portanto, há no caso concreto demonstrado
a correspondência a uma das reflexões de Bourdieu sobre a direção que o direito
deveria tomar “(...) como podendo impor-se universalmente ao reconhecimento por
uma necessidade simultaneamente lógica e ética” (p. 213).
Ademais, para
alcançar essa simultaneidade o sociólogo expõe que o trabalho do jurista deve
adaptar-se à realidade, assegurando coerência às normas e princípios ao longo
das mudanças temporais. Por esse ângulo, o ministro Gilmar Mendes ressaltou em
julgamento que desde a edição do código penal em 1940 muito se avançou em
termos tecnológicos, sendo possível identificar a anencefalia fetal, por isso
“a não inclusão na legislação penal dessa hipótese de excludente de ilicitude
pode ser considerada uma omissão legislativa”. A partir disso, tem-se a relevância em interpretar o direito em conformidade a realidade social, como salienta Bourdieu “A interpretação opera a historicização da norma, adaptando as fontes a circunstâncias novas, descobrindo nelas possibilidade inéditas deixando de lado o que está ultrapassado ou o que é caduco” (p. 223). Logo, mais uma vez verifica-se a correspondência entre o caso e o sociólogo analisados.
Bruna Morais turma XXXV noturno
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