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quarta-feira, 20 de junho de 2018

O espaço dos possíveis e a dominação



Em seus estudos sobre o campo jurídico, Bourdieu sintetiza como essa construção é feita, entendimento importante para análise da estrutura do jurídica e dos produtos de sua ação. O direito passa a ter uma relativa autonomia, já que assimila outros campos e a sociedade, porém, mantém sua disposição “fixa” formada pela constituição, jurisprudência e doutrinas, que não permite aos aplicadores do direito simplesmente agirem conforme a sua vontade, pois precisam respeitar o chamado “espaço dos possíveis”, que abrange ambas as visões (morais e jurídicas), em uma lógica duplamente determinada.
O julgado em análise, trata, da questão do aborto em caso de anencefalia. Questão essa, que ainda é um tabu na sociedade brasileira conservadora, de valores patriarcais e cristãos, normalmente contrária ao aborto, mas que divide opiniões nesse caso expecífico. O autor, ao estudar rigorosamente o direito, tornando-o objeto de estudo, tece críticas ao instrumentalismo, que seria a ideia do direito a serviço da classe dominante, já que a dominação de classe não compreende também a dominação de gênero, de raça ou de orientação sexual. Sendo assim, o aborto de anencéfalos, e a questão do aborto em si, geram tanta polêmica justamente devido à dominação de gênero, e a falta de autonomia da mulher sobre o seu próprio corpo, amparada por valores católicos ideológicos.
Assim, a violência simbólica, tal qual afirma Bourdieu, é aplicada contra a mulher, imposta a continuar uma gravidez cuja vida do bebê já é sabidamente comprometida, portanto, tal qual defende o autor, não se pode fortalecer a ilusão de independência do direito em face às forças externas, já que essa liberdade se faz comprometida devido à moral. A posição contrária à antecipação terapêutica do nascimento de uma criança anencéfala se apoia no artigo 5º da Constituição Federal, que aborda o direito à vida. No entanto, o ministro Luís Roberto Barroso, em operação do entendimento jurídico, buscou confirmar que a antecipação terapêutica não configura aborto de fato, já que não há expectativa de vida do feto, defendendo também a não punição dos profissionais de saúde que realizassem o procedimento.
Entende-se, portanto, que a operação do direito, necessariamente, acolhe as forças externas, que configuram também a ética e a moral da sociedade acolhida por aquele sistema jurídico, mas também o entendimento da norma e de como interpretá-la, de forma a dar sustentação à um veredito, que nada mais é do que o produto da luta simbólica no campo jurídico. Fica, porém a reflexão proposta por Bourdieu, que, embora proponha um distanciamento do instrumentalismo, ao estudar sobre a expressão dos valores dominantes, considera a pouca probabilidade de desfavorecimento dos dominantes, tanto quanto a classe econômica dominante, como a raça, o gênero e outros. Assim, percebe-se que essa discussão do aborto no âmbito moral gera muita contradição, já que a defesa do direito à vida não abarca a vida da mulher que o pratica, tendo em vista que o aborto irregular é a quinta maior causa de mortes de mulheres, no Brasil. Nota-se também, que a posição da mulher perante à sociedade é desfavorecida, nessa questão, tanto por causa do machismo, como também economicamente, pois não é segredo o fato de que esse índice é tão alto por conta de abortos clandestinos em clínicas periféricas, que não dão respaldo nenhum à paciente, enquanto as mulheres abastadas fazem o procedimento em segurança, pois podem pagar por clínicas confiáveis.


Yasmin de Oliveira Silva

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