Bourdieu
se dedicou a discutir a constituição do Campo Jurídico, analisando como são as suas
relações. Sendo que, uma delas é o embate de interpretações, o qual Bourdieu
denomina de o “direito de dizer o direito”. E para exemplificar, temos o julgado
ADPF 54, sobre aborto de anencéfalos, cuja discussão é baseada na dicotomia
entre ser a favor ou ser contra.
Para
o autor, os agentes do Direito, para defenderem seus respectivos
posicionamentos, devem mobilizar o campo jurídico, conhecendo a sua linguagem,
ou seja, o seus “espaços dos possíveis”. Esses “espaços”, para o mencionado
campo, são a doutrina, jurisprudência e a lei seca, os quais podem ser
classificados como as regras que o estruturam. E assim fizeram os membros do Supremo
Tribunal Federal, ao usarem dos espaços dos possíveis para decidirem que o
aborto de anencéfalos não deve mais ser considerado um crime. Dessa maneira, autorizaram que o aborto seja uma possibilidade, não uma regra imposta em todos os casos.
Entretanto,
essa decisão descontentou determinados integrantes da sociedade, os quais
defenderam que descriminalizar o aborto de anencéfalos seria contra os “habitus”,
que são os valores de classes que os indivíduos possuem, por negar os
princípios morais e religiosos. Desse modo, eles tentaram impor, por meio do
Direito, a violência simbólica, negando a condição de ação do outro, uma vez
que nenhuma relação social é igualitária, devido ao fato que alguém sempre vai
querer dar sentido à ação. Haja vista que, mesmo sabendo dos riscos de vida que
a mãe corre, que o feto tem chances quase nulas de sobreviver após o parto, que
a mãe pode sofrer danos psicológicos por saber que o filho não sobreviverá, e que,
apesar do Código Civil defender os direitos do nascituro, na Constituição
Federal prevalece a vida da grávida, essas pessoas, ainda assim, acreditam que
as decisões devem ser de acordo com a moral da classe dominante.
Porém,
a escolha do STF no julgado ADPF 54 demonstra que a “luta simbólica” está sendo
conquistada pelos “desfavorecidos” também, por meio da ação dos operadores, os
quais criam contornos abstratos para o Direito positivado. Logo, conquistas
que, anteriormente, eram de alcance somente dos dominantes, pelo habitus, agora
estão em caminho de veredicto favorável às minorias.
Beatriz Bernardino Buccioli - noturno, XXXV
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