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quarta-feira, 20 de junho de 2018

Um espaço das possibilidades


                        As relações jurídicas sempre dever ter como referencia a Constituição Federal, a Jurisprudência e a Doutrina. Esses três fatores são considerados por Bourdieu como o ‘Espaço dos Possíveis’ e é através desse espaço em que nós trabalhamos o direito e sua aplicação na realidade uma vez que ele limita as ações dos magistrados e a quantidade de interpretações da lei. O caso do aborto de anencéfalos entra nessa linha de interpretação proposta por Bourdieu, uma vez que quando essa causa foi juridicamente reivindicada, a decisão dos magistrados foi pautada pelo fato de estar ou não dentro do que é considerado o Espaço dos Possíveis.

            Assim, de acordo com esse Espaço, reivindicar o aborto de anencéfalos é valido uma vez que se garante o direito a vida à mulher e concomitantemente ao direito a igualdade, já que é essa quem dará a luz, é ela quem sofrerá os riscos de uma gravidez e todos os sofrimentos emocionais e físicos que a acompanharam por 8 meses.

            Concomitantemente, o direito não pode ser considerado um ato de pleno formalismo uma vez que cabe aos juízes enquanto exercem seus julgamentos o poder de interpretar a letra da lei quando essa é obliqua, adaptando suas considerações juntamente com os seus próprios princípios do que é ou não justo e correlacionando seus princípios com outros campos sociais, a exemplo da utilização da medicina e do seus preceito do que é ou não ético em relação ao aborto e todas as considerações de órgãos de saúde, como a OMS que afirma que proibir o aborto não reduz o número de abortos que ocorrem e como também aumenta exponencialmente as chances da mulher morrer ou ter complicações severas durante o procedimento. Cabe ao direito absorver a moral social para realizar determinadas mudanças na sociedade, já que existe uma pluralidade na leitura das normas, e interpretá-las é um modo de dominação, mesmo que o direito se utilize da retórica de que é impessoal e neutro com o efeito da neutralização e da universalização.

            Aliado a esse fato, no campo jurídico, somente a linguagem jurídica é aceita, sendo assim, quaisquer reivindicações devem passar pelo filtro do direito, não podendo ser plenamente pautada por argumentos irracionais, como entidades religiosas justificarem a ilegitimidade do aborto por “não ser algo de Deus”. O direito faz com que os discursos sejam adaptados e os argumentos irracionais são negados a área jurídica. Busca-se a legitimação dos argumentos a partir de racionalidade e a linguagem passa a ser uma ferramenta de distinção e consequentemente de repressão uma vez que a forma do direito foi feita para excluir as pessoas da sua utilização.  

            Assim como Bourdieu afirma, entrar no jogo do direito é renunciar a violência e ao discurso inflamado, pautado nas paixões e a violência simbólica uma vez para a sua concretização e plenitude, o direito necessita ser pautado na razão e não somente na emoção. Por isso, os discursos que vão contra o aborto e que tem seu raciocínio nessa linha devem ser rejeitados.

            Dispondo do monopólio da força, toda vez que uma decisão é tomada, já que uma decisão judicial cumpre o papel de Estado, o direito exerce o monopólio da força para buscar estabelecer a “ordem”. Sendo assim, é o direito que passa a decidir o que é certo, o que é vida e quando ela começa. Essas decisões acabam sendo influenciadas pela sociedade, contudo, é através desse poder simbólico que o direito possui que decisões que efetivamente buscam a justiça social, como a legalização do aborto de anencéfalos, são efetivadas e transformadas em realidade.

Bárbara Tolini, Direito Noturno

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