As relações jurídicas sempre dever ter como referencia a Constituição
Federal, a Jurisprudência e a Doutrina. Esses três fatores são considerados por
Bourdieu como o ‘Espaço dos Possíveis’ e é através desse espaço em que nós
trabalhamos o direito e sua aplicação na realidade uma vez que ele limita as
ações dos magistrados e a quantidade de interpretações da lei. O caso do aborto
de anencéfalos entra nessa linha de interpretação proposta por Bourdieu, uma
vez que quando essa causa foi juridicamente reivindicada, a decisão dos
magistrados foi pautada pelo fato de estar ou não dentro do que é considerado o
Espaço dos Possíveis.
Assim,
de acordo com esse Espaço, reivindicar o aborto de anencéfalos é valido uma vez
que se garante o direito a vida à mulher e concomitantemente ao direito a
igualdade, já que é essa quem dará a luz, é ela quem sofrerá os riscos de uma
gravidez e todos os sofrimentos emocionais e físicos que a acompanharam por 8
meses.
Concomitantemente,
o direito não pode ser considerado um ato de pleno formalismo uma vez que cabe
aos juízes enquanto exercem seus julgamentos o poder de interpretar a letra da
lei quando essa é obliqua, adaptando suas considerações juntamente com os seus
próprios princípios do que é ou não justo e correlacionando seus princípios com
outros campos sociais, a exemplo da utilização da medicina e do seus preceito
do que é ou não ético em relação ao aborto e todas as considerações de órgãos
de saúde, como a OMS que afirma que proibir o aborto não reduz o número de
abortos que ocorrem e como também aumenta exponencialmente as chances da mulher
morrer ou ter complicações severas durante o procedimento. Cabe ao direito
absorver a moral social para realizar determinadas mudanças na sociedade, já
que existe uma pluralidade na leitura das normas, e interpretá-las é um modo de
dominação, mesmo que o direito se utilize da retórica de que é impessoal e
neutro com o efeito da neutralização e da universalização.
Aliado
a esse fato, no campo jurídico, somente a linguagem jurídica é aceita, sendo
assim, quaisquer reivindicações devem passar pelo filtro do direito, não
podendo ser plenamente pautada por argumentos irracionais, como entidades
religiosas justificarem a ilegitimidade do aborto por “não ser algo de Deus”. O
direito faz com que os discursos sejam adaptados e os argumentos irracionais
são negados a área jurídica. Busca-se a legitimação dos argumentos a partir de
racionalidade e a linguagem passa a ser uma ferramenta de distinção e
consequentemente de repressão uma vez que a forma do direito foi feita para
excluir as pessoas da sua utilização.
Assim
como Bourdieu afirma, entrar no jogo do direito é renunciar a violência e ao
discurso inflamado, pautado nas paixões e a violência simbólica uma vez para a
sua concretização e plenitude, o direito necessita ser pautado na razão e não
somente na emoção. Por isso, os discursos que vão contra o aborto e que tem seu
raciocínio nessa linha devem ser rejeitados.
Dispondo
do monopólio da força, toda vez que uma decisão é tomada, já que uma decisão judicial
cumpre o papel de Estado, o direito exerce o monopólio da força para buscar
estabelecer a “ordem”. Sendo assim, é o direito que passa a decidir o que é
certo, o que é vida e quando ela começa. Essas decisões acabam sendo
influenciadas pela sociedade, contudo, é através desse poder simbólico que o
direito possui que decisões que efetivamente buscam a justiça social, como a legalização
do aborto de anencéfalos, são efetivadas e transformadas em realidade.
Bárbara Tolini, Direito Noturno
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