Primeiramente, adentrando nos conceitos de Campo Jurídico de Pierre
Bourdieu, é importante salientar que o “campo” é toda dimensão da vida social
que engendra relações, modo de disputas e referenciais de poder específico,
seja ele o campo jurídico, artístico, científico, etc. Sendo assim,
balizando o assunto para o campo jurídico, trata-se do lugar de concorrência
pelo monopólio do direito de dizer o direito.
No julgado da ADPF 54, referente à antecipação terapêutica do parto nos
casos de anencefalia, percebe-se este embate, que se dá através da argumentação
por parte dos ministros, como por exemplo o relator Marco Aurélio, votando a
favor, e Ricardo Lewandowski, contra.
Ademais, vale ressaltar que o limite às interpretações no âmbito do
campo jurídico estão condicionados pelo espaço dos possíveis. O próprio Marco
Aurélio, em seu voto, valendo-se da laicidade estatal, princípios
constitucionais e a clara distinção entre aborto e antecipação terapêutica do
parto, visa trazer para o espaço dos possíveis a questão da anencefalia.
Essa busca por diferenciar aborto e antecipação terapêutica do parto,
bem como deixar sempre claro que a discussão refere-se somente em casos de
anencéfalos, é reflexo de nossa sociedade que ainda trata como tabu a questão
dos abortos. Bourdieu, em suas lições, trata do habitus, que sucintamente são
as disposições sociais incorporadas. Nesse sentido, atualmente discutir abortos
em geral, implicaria em atingir essas disposições socialmente construídas, de modo
a provocar um forte rebuliço em grande parte da população.
Por fim, a consolidação de que aborto de anencéfalos não é crime,
assegura os interesses das mulheres, que possuem seus direitos (dignidade da
pessoa humana, o direito à vida, à proteção da autonomia, etc), previstos na
Magna Carta, assegurados. No período anterior à ADPF 54, a mulher era compelida
a manter a gestação em tais casos, o que configurava, portanto, uma violência
simbólica por parte do Estado.
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