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quarta-feira, 20 de junho de 2018

O aborto de anencéfalos à luz de Bourdieu

  Em 2012, o fim da decisão sobre a ADPF/54 garantiu a interrupção terapêutica de fetos anencéfalos no Brasil. A repercussão da arguição, como esperado, foi grande e levantou várias questões sobre o que seria considerado vida, se esse tratamento seria contra os direitos humanos e em que casos seria permitido tal interrupção. O que se notou, portanto, foi um debate em que o Judiciário apresentou-se como determinante. 
  Para Bourdieu, em suas análises sobre o papel do direito na sociedade, ele concluiu que o direito se estabelece entre o instrumentalismo e o formalismo. Em outras palavras, podemos dizer que o direito não deve ser utilizado como um instrumento para dominação, em que os legisladores, doutrinadores e operadores do direito impõem seus ideologias. Tampouco, o direito não deve ser visto como um fim em si mesmo sempre, pois ele não é autônomo em face as forças externas sociais. 
  O que podemos notar, portanto, é que no julgamento da ADPF em questão, o direito agiu como Bourdieu defende que deve ser a constituição do campo jurídico: por uma lógica duplamente determinante. A decisão se baseia na eficácia que pode ser alcançada pela moderação do instrumentalismo do direito ao colocar em vigor o que é considerado justo - no caso, foi contemplado que o direito da mulher de decidir interromper a gravidez de um feto anencéfalo é permitido, e a instrumentalização do direito foi dada na medida em que a maioria da população é contra esse tipo de prática no nosso país, ou seja, foi utilizada uma dominação formal em que o veredicto posto não é contra majoritário. Por outro lado, o direito foi formalista no sentido de se basear em leis pré formadas, como o direito da dignidade da mulher, que esta configurado na Constituição brasileira.
  Porém, ao se utilizar do formalismo na decisão final, os operadores do direito que estavam envolvidos na arguição fizeram o uso do que é chamado de "espaço dos possíveis" por Bourdieu. Eles utilizaram estruturas já formadas (nosso ordenamento jurídico já positivado) para criarem novas interpretações que condizem com a evolução social e científica atual. É deste modo que os operadores do direito podem agir analogamente aos legisladores: criando novas leis e permitindo novas ações no campo social e jurídico.
  Esta possibilidade do direito poder criar novas normas é muitas vezes benéfica, pois em uma democracia em que os legisladores são escolhidos pela população é evidente que a moral majoritária será imposta. Não se pode afirmar, porém, que as leis feitas à luz de uma moral majoritária será justa. É o que pode se ver na referida ADPF/54, a maior parte da população era contra o veredicto que foi dado por questões morais que envolvem a religião, principalmente. Porém, com a possibilidade de agirem no espaço dos possíveis, foi dada uma garantia mais justa frente aos direitos da mulher.
  Podemos notar, portanto, que uma projeção otimista prevê o direito menos dependente apenas do que é positivado em lei e mais atento às demandas sociais. Um direito que será duplamente guiado e transformado pelo instrumentalismo e formalismo.
 
  Gabrielle Stephanie Reis dos Santos - Direito Noturno. 
          

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