Qual
o papel da mulher na sociedade? Por milhares de anos, o papel da mulher na
sociedade era o de simplesmente útero da humanidade e “dona” de casa, na qual,
de dona não tinha nada. Era apenas uma personagem subjacente na vida política e
econômica do país. Baseando-se nessa visão, o Código Penal brasileiro, que foi
escrito em 1940, é fruto de seu tempo. Ao proibir a mulher de abortar, com
ressalva de alguns casos mais específicos como o estupro ou o risco de morte,
demonstrava a visão dominante da época. Porém, nem mesmo naquela época, de
acordo com Bourdieu, o direito deveria se basear no instrumentalismo, ou seja,
se basear na ideia de que o direito estava a serviço da classe dominante.
Atualmente a mulher assume um papel coadjuvante na vida política e econômica do
país, o que mostra a defasagem que o Código Penal de 1940 apresenta.
Mas, durante esse diálogo em que estou tendo com você,
caro leitor, não venho definir ou defender o direito de abortar de forma
generalizada. Trago, aqui, um caso mais específico a respeito do aborto. Trago
o aborto de anencéfalos.
Em primeiro lugar gostaria de explicar o que é um feto
anencefálico, ou seja, o feto que apresenta anencefalia. Anencefalia é a má
formação congênita, o que gera fetos sem cérebro em todos os casos e, de acordo
com a medicina e a ciência, o diagnóstico é, sempre, de letalidade. Assim, apresenta-se
essa visão de que a mulher, que estivesse grávida com um feto anencéfalo, teria
de passar por todas as transformações da gravidez e, ao final da gestação, não
teria um filho, pois, este, estaria morto. Partindo dessa visão, Barroso
defende o aborto de fetos anencéfalos, pois acredita que uma gestante que não
pudesse ter o filho vivo sofreria uma tortura psicológica, ao passar por todo
esse processo de maternidade. Com esse argumento, afirma Barroso, não permitir
o aborto viola um conjunto de direitos fundamentais da mulher, os direitos
reprodutivos.
Em segundo lugar, como já defini o conceito de
anencefalia, pergunto: se um feto jamais terá expectativa de vida extra uterina,
pode, ele, ser considerado vivo? Considerando o consenso e a definição do campo
do direito brasileiro, a morte é quando o cérebro para de funcionar. Mas, o que
seria se ele nunca tivesse funcionado, ou, melhor, nunca tivesse se
desenvolvido? Nesse caso, não, pois como a vida acaba com a morte cerebral, por
analogia, o não funcionamento do cérebro deveria, também, ser considerado morte,
ou, ao menos, não vida. Assim, o aborto de anencéfalos não deve nem ser
considerado aborto, pois o aborto pressupõe a potencialidade de vida extra
uterina o que, nesse caso, não existe.
Em terceiro, trago aqui o argumento de Bourdieu de que a
ciência do direito deve ser impessoal. Assim, juntamente com seu argumento de
evitar o instrumentalismo, não deve-se usar o poder coercitivo do estado para
proibir toda uma população, que apresenta diversos sistemas morais distintos,
de abortar fetos anencefálicos, partindo de um pressuposto religioso, o de
pecado, ou o de uma classe dominante, que é conservadora nos valores.
Como um último argumento, trago, aqui, caro leitor, a
defasagem do Código Penal, que foi escrito em 1940, onde não havia a
possibilidade de se fazer o exame para saber se o feto era anencefálico ou não.
Assim, o Código Penal brasileiro está desatualizado, pois, a partir da
consideração de que não era possível obter aquele conhecimento, naquela época,
obviamente o código não apresentaria uma solução para esse caso. Com o avanço
da medicina (lógica positiva da ciência) e da moral (lógica normativa da moral)
é preciso uma atualização de parte do código penal, para que possa, assim,
abranger de forma mais concisa as necessidades da sociedade brasileira
contemporânea.
Cainan Fessel Zanardo - Direito Noturno Turma XXXV
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