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quarta-feira, 20 de junho de 2018

A análise de um julgamento diz muito sobre o Direito. Talvez seja o momento em que podemos ver, de fato, o Direito em disputa e em ação e suas estruturas de relação específicas.
Não apenas como instrumento da luta de classes e nem tão somente como formalismo, mas também como um campo de conhecimento com suas próprias especificidades, disputas e simbologias. A mais marcante está no dizer o Direito. 
        Afinal, todo aquele que aspira essa ciência quer significa-la com aquilo que acredita ser o correto, a partir de seu "habitus" e de toda sua vivência de mundo e crenças.
        Quando nos debruçamos sobre a ADF 54, aborto de Anencéfalos, por exemplo, percebemos estar lá um desses exemplos da vontade de dizer o Direito. 
      Ambos os lados, para fazer sua argumentação em nenhum momento, dizem caber aquela opinião a de fato, suas crenças, por mais que seja isso o que ocorre, mas muito ao contrário, se utilizam de uma sintaxe neutra e, portanto, impessoal para conferir credibilidade ao discurso.  
      Ademais, toda a argumentação é pautada dentro de um rol específico ou o que Bourdieu chama de espaço dos possíveis, a todo momento se utiliza de doutrinas, da constituição, do código penal. Tanto um lado, como o outro. Seja enunciando o artigo quinto da constituição e o código penal, seja trazendo a luz da análise o Direito das mulheres, ou diagnósticos científicos. Tudo é feito para que o discurso seja legitimado. 
      Cabe muitas vezes, nesse momento, a mobilização do capital cultural do indivíduo que está a disputar o processo. Afinal, é o capital cultural que dá a possibilidade de abranger a argumentação e buscar cada vez mais dentro do espaço dos possíveis a possibilidade de legitimar a sua ideia. Em suma, é ele que faz com que um indivíduo guie o outro, uma espécie de poder simbólico.  O ministro Barroso, por exemplo, se utiliza de vários campos para a defesa do aborto de anencéfalos: a filosofia, a sociologia, a psicologia, a biologia, o Direito, a História, a moral... 
        É necessário que o agente do Direito se insira no discurso lógico, seja no espaço dos possíveis ou pela universalização e neutralidade da linguagem para poder ser reconhecido e legitimado.
        O veredito da ação, que no caso da ADF 54, é favorável ao aborto em casos de anencefalia, é tão somente o produto dessas lutas simbólicas, ou como dissemos lutas para dizer o Direito, no campo jurídico.
          É a partir daí, que o Direito vaza para a sociedade e sai do seu próprio campo de conhecimento. Uma decisão dessas pode dizer muito sobre como os tempos e os costumes estão mesmo que, minimamente, a mudar. Coloca sob os holofotes a luta dos direitos das mulheres, torna a discussão do aborto, mesmo que timidamente, palatável a sociedade, trazendo o assunto à luz da discussão e mostrando que nossos tribunais, mesmo que pouco, estão caminhando para assuntos de temas modernos a altamente necessário para a nossa sociedade.
      
       Mariana Rigacci- noturno

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