Na visão de Bourdieu, o Direito não é alheio ao que se
passa na dinâmica social, ambos se interceptam. A sociedade foi vítima de
constantes mudanças comportamentais ao longo dos séculos, mas muito do que não
se aceitava anteriormente continua não sendo aceito no século XXI,
principalmente com países de estruturas conservadoras. O aborto é uma realidade
e pode ser justificado por quem o faz por ter havido uma gravidez indesejada,
falta de preparo dos pais ou, até mesmo, compaixão nos casos de anencéfalos,
uma vez que não se pode dizer que não há vida e não interromper a gravidez é,
muitas vezes, prolongar o sofrimento nos dois lados. Justamente por o Direito
fazer um papel de observador e interventor na sociedade, ele se posiciona em
função destas situações. Existe a permissão do aborto no caso de estupro e
anencéfalos no Brasil, contudo, ele não ser completamente legalizado demonstra
uma relação de poder entre o Estado e a vida da mulher, em que aquele impede
que esta exerça sua total liberdade de decidir sobre seu próprio corpo.
Bourdieu defende que o Direito faz-se por si mesmo, mas
possui uma autonomia relativa: ele absorve da moral social para construir uma
dinâmica social. Dizer que o Direto permite o aborto de anencéfalos não é
necessariamente dizer que ele é moralmente aceito, uma vez que a própria
sociedade abomina o aborto em qualquer independente do motivo que ele é feito,
colocando o feto com anencefalia em primeiro lugar ao invés da mãe, a qual
passa a ser julgada como assassina. É importante ressaltar que fetos com
anencefalia não possuem uma perspectiva de vida maior que alguns dias após o
nascimento e prolongar a gestação até o final poderia trazer consequências
físicas e psicológicas para a mãe.
É necessário considerar o que Bourdieu chama de “espaço dos
possíveis”: até onde o Direito pode se basear e interferir na sociedade. O
Direito obtém sua moral da própria coletividade e, por isso, pode não ser
legítimo ao interferir em absolutamente tudo, como no caso de aborto de
anencéfalos. Seria necessário que o Direito estivesse mais isento da moral
coletiva para tal, uma vez que esta é vasta de uma cultura tradicional que
muitas vezes interfere nas novas discussões propostas na realidade. A
religiosidade é uma dessas culturas e, como o Estado é laico, seria injusto
permitir uma moral coletiva com esse aspecto interferindo em questões de saúde
pública como aborto.
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