Para que o processo
seja justo e válido, é preciso que o juiz atue de forma imparcial, ou seja, não
exibir-se de forma tendenciosa para qualquer das partes. A
imparcialidade do juiz é pressuposto para que a relação processual se instaure
validamente. ( Principio da Imparcialidade ¹)
É interessante
pensarmos o quanto queremos a imparcialidade quando a parcialidade nos
prejudica, e como a imparcialidade fica em segundo plano quando a parcialidade
nos beneficia. Por mais que tentemos ver o mundo de maneira mais científica e
racional possível, é difícil nos desprender de valores e emoções que permeiam
nossas vidas e realizar um julgamento ou análise de um caso sem levarmos em
conta as tendências que possuímos para um dos lados apresentados.
Este dilema se personifica
no caso da união homoafetiva reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no ano
de 2011 ². Sendo gay tenho dificuldade em refletir a respeito da decisão do
Supremo por uma visão distanciada da minha história como pessoa LGBT, para
analisar quais são os limites entre a judicialização ( questões de larga repercussão
decididas pelo judiciário) e o ativismo jurídico (modo proativo e expansivo de
interpretar a constituição). Apesar de entender que esses processos são instrumentos,
que podem ser utilizados para defender pautas progressistas e de direitos
humanos, como também podem ser utilizados para defender ideais conservadores e reacionários
como ocorreu nos Estados Unidos entre os anos de 1857 e 1937 ³, não consigo deixar de realizar um juízo
de valores a respeito do julgado ADPF 132 e da ADI 4277 4, porque pessoalmente
não se trata apenas de uma análise sobre os limites da judicialização e do
ativismo judiciário, da divisão dos poderes ou da falência do executivo e legislativo
de nosso país (que se encontra desacreditado, deslegitimando e disfuncional).
Trata-se da conquista de um direito que me foi negado, do reconhecimento através
do Direito e da Constituição de que sou um cidadão como todos os outros, trata-se
de igualdade material e da efetivação dos princípios constitucionais. É saber
que posso constituir família, celebrar meu amor com outro homem e estarei
amparado e reconhecido pelo Direito.
Esse é um direito que
não seria reconhecido facilmente pelo legislativo, tendo em vista os três projetos
de lei 5 que estão em andamento há mais de 10 anos e não conseguiram o numero mínimo
de assinaturas para seguirem para votação. Isso ocorre devido a um corpo
politico conservador, que por motivos religiosos é contrário as pautas de
direitos LGBT. No entanto, em que se pese que os políticos do legislativo sejam
eleitos pelo sistema proporcional e não o majoritário, e que estes não
representam nossa população conforme suas características e diversidade, é triste,
porem necessário, admitir que o pensamento de nossos senadores e deputados, muitas
vezes LGBTfóbicos, são reflexo da maneira retrógado como a sociedade brasileira
pensa .
É necessário pontuar a
fragilidade de uma decisão do STF baseado na hermenêutica da constituição
federal, tendo em vista que a substituição dos ministros do Supremo por outros
com um entendimento diferente poderia significar o fim do reconhecimento da união
homoafetiva, tendo em vista a falta de legitimação perante o executivo e
legislativo (representação direta do povo na politica) e falta de raízes sociais,
uma vez que quase metade da população é contra o casamento gay 6.
A composição do STF e
suas possíveis alterações após a aposentadoria dos atuais ministros demonstram
como o ativismo jurídico é um instrumento perigoso, tendo em vista que o Judiciário
se torna extremamente poderoso em comparação aos outros dois poderes, tornando
desigual a relação dos freios e contra pesos, que se faz necessária na divisão
dos poderes e consequentemente na limitação do poder e manutenção da Constituição
e das garantias e direitos.
O
ministro Luis Barroso defende que a judicialização, além de ser um fenômeno que
não afeta só o Brasil, é responsável por mais ganhos do que perdas, a
judicialização para Barroso encontra-se entre a autocontenção (judiciaria reduz
interferência em outros poderes) e o ativismo jurídico (interferência nos
outros poderes pela ação judicial) e que “A
maior parte dos estados democráticos reserva uma parcela de poder político para
ser exercida por agente públicos que não são recrutados pela via eleitoral, e
cuja atuação é de natureza predominantemente técnica e imparcial. [...] De acordo com o conhecimento tradicional, magistrados
não tem vontade própria”. No entanto o desafio está em definir em quais casos o
Supremo está cumprindo sua função como guardião da constituição, relembrando as
memórias da vontade popular expressa na constituição de 1988 e em quais está
agindo de forma proativa e desrespeitando os legislativo e o executivo e causando
instabilidade no judiciário, único poder que ainda possui funcionalidade e
legitimidade perante a sociedade. Por mais que os Ministros teoricamente sejam
imparciais para julgar as demandas levadas à Justiça, eu não sou imparcial para
analisar o julgado da união homoafetiva e classifica-lo como judicialização ou
ativismo, por se tratar nas palavras de Barroso da “ judicialização da vida”, e
pelo menos neste momento se trata da
judicialização da minha vida e de milhares pessoas LGBTs.
3 As
origens do ativismo judicial remontam à jurisprudência norteamericana. Registre-se
que o ativismo foi, em um primeiro momento, de natureza conservadora. Foi na
atuação proativa da Suprema Corte que os setores mais reacionários encontraram
amparo para a segregação racial (Dred Scott v. Sanford, 1857) e para a
invalidação das leis sociais em geral (Era Lochner, 1905-1937)
4 Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.
1 http://www.arcos.org.br/periodicos/revista-eletronica-de-direito-processual/volume-v/breves
observacoes-sobre-os-principios-da-imparcialidade-e-neutralidade-do-mediador-conceituacaoimportancia-e-alcance-pratico-desses-principios-em-um-processo-de-mediacao
2 http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9930
4 Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.
5
Projetos em andamento na câmara dos deputados PL 1151/95 (União Civil), PL5120/2013 e PL
( 580/2007),
6 http://exame.abril.com.br/brasil/quase-50-dos-brasileiros-sao-contra-casamentos-gays/
Augusto C Oliveira - Direito (noturno)
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