Sabe-se que as
instituições políticas brasileiras, notadamente os Poderes Legislativo e Executivo,
desde sua gênese, não cumprem seus papeis de representantes da vontade do povo
e de defesa dos direitos previstos nas legislações, ou o fazem de forma
insuficiente, lenta e atrasada frente as demandas sociais. Por vezes, até
apresentam um entrave ao avanço de questões progressistas e que beneficiem
grupos minoritários da sociedade. Um exemplo claro disso é a presença da Frente
Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional, uma vez que esta defende
pensamentos e medidas que ferem tanto os direitos humanos como preceitos constitucionais, impedindo, ainda, o debate de temáticas como o aborto, a
igualdade de gêneros, os direitos LGBT e a laicidade do Estado.
Esta crise de representatividade,
legitimidade e funcionalidade presente na esfera do Legislativo provoca, então,
a expansão da atuação do Judiciário, num processo que Barroso denomina
“judicialização”. Este processo pode ser definido como “algumas questões
de larga repercussão política ou social [que] estão sendo decididas por órgãos
do Poder Judiciário, e não pelas instâncias tradicionais: o Congresso Nacional
e o Poder Executivo”. No entanto,
quando a atuação do Judiciário ultrapassa a simples circunstância decorrente do
modelo constitucional adotado e passa a ser um exercício deliberado da vontade
política, representando, segundo Barroso, “(...) a escolha de um modo
específico e proativo de interpretar a Constituição”, essa ação passa a ser
reconhecida como Ativismo Judicial.
Em meio à
mencionada crise de representatividade e ao embate entre estes dois modos de
atuação do judiciário, encontra-se o julgamento da Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF) 132 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
4277.
Em fevereiro
de 2008, o então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, apresentou ao Supremo
Tribunal Federal a ADPF 123, que requeria a aplicação, por analogia, do art.
1.732 da Constituição Federal às uniões homoafetivas, com base na interpretação
dos preceitos constitucionais. Já em 2009, a Procuradoria Geral da República
propôs a ADPF 178, recebida pelo Presidente do STF, Gilmar Mendes, como ADI
4277, que tinha como objetivo o “(...) obrigatório reconhecimento no Brasil da
união entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar, (...) e que os
mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendam-se aos
companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo”.
O julgamento
das duas ações ocorreu conjuntamente, e houve o reconhecimento da união estável
entre casais homoafetivos, estendendo a estas relações os mesmos direitos
vislumbrados pelos casais heteronormativos. No entanto, questiona-se a
legitimidade da decisão, uma vez que pode ser interpretada tanto como simples
judicialização quanto como ativismo jurídico.
O primeiro
argumento refere-se aos riscos que a atuação do Judiciário oferece para a
legitimidade democrática, uma vez que os membros desse poder não são eleitos
pelo povo. Portanto, não teriam a mesma legitimidade daqueles representantes
eleitos democraticamente, e os temas deliberados não seriam debatidos dentro da
esfera do poder mais representativo e democrático (Legislativo), avançando,
portanto, paralelamente à sociedade.
No entanto,
aponta-se dois papéis fundamentais da Constituição Federal: o de estabelecer as
regras do jogo democrático e o de proteger direitos e valores fundamentais,
mesmo que contrariem o princípio majoritário. Portanto, o Poder Judiciário,
como Guardião máximo da Constituição, teria direito de agir no julgamento
supracitado.
Argumenta-se,
também, que cabe ao legislativo criar o Direito positivo e ao Judiciário a
aplicação deste em casos de conflitos. Cada Poder deve cumprir sua própria
função, para que exerçam um controle recíproco e para garantir o pleno
funcionamento das instituições, lógica que seria quebrada pela expansão do
Judiciário. Ressalta-se, porém, que o Judiciário não deve negligenciar a
população que clama pela resolução de problemas frente à inércia do
Legislativo.
Afirma-se,
ainda, que o debate das decisões que envolvam grande apelo social pelos órgãos
do Poder Judiciário seria uma solução simplista e imediata para um problema
estrutural. Por exemplo, mesmo com a ADPF 132 e a ADI 4277, somente em 2013 o
Conselho Nacional de Justiça aprovou uma resolução que obriga os cartórios a
celebrarem união estável de casais do mesmo sexo. Todavia, destaca-se que a
questão das uniões homoafetivas exige soluções imediatas uma vez que, além de
ferir princípios como de igualdade e liberdade, ainda envolve questões
essenciais como herança, previdência social, imposto de renda, plano de saúde,
licença no caso da morte do companheiro e adoção do sobrenome deste. Exemplo disso é um caso que o ocorreu na Austrália, em que o governo se recusou a reconhecer o casamento de um homem britânico cujo marido faleceu durante viagem de lua de mel do casal. Como consequência, todas as decisões tiveram que ser tomadas pela família do finado, e seu companheiro não teve seus direitos, como a herança, respeitados.
Assim, conclui-se que a ação do Poder Judiciário no julgamento
tratado aqui foi correta e representou papel essencial na conquista e
concretização de direitos de minorias sociais. No entanto, este tipo de ação
não exclui o papel legítimo do legislador, que deve atuar com racionalidade e
justiça para assegurar direitos fundamentais à população. Como verifica-se que
este papel não é cumprido atualmente, ressalta-se, ainda, a necessidade de
reforma política para sanar a crise de representatividade, funcionalidade e
legitimidade do Poder Legislativo.
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