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domingo, 7 de novembro de 2021

A magistratura do sujeito na análise do pedido de Habeas Corpus N° 699 572

Antoine Garapon coloca a magistratura do sujeito como a transfiguração da função da justiça forjada no último século, transformando o papel do magistrado de arbitral para, majoritariamente, tutelar.  Não coincidentemente, a mudança no perfil do judiciário surge simultaneamente à modificação das estruturas sociais propostas pela ascensão do modo econômico neoliberal das últimas décadas, como exposto em: "[...] A instabilidade crescente dos laços familiares, a mobilidade profissional, a diversidade cultural modificaram a demanda de justiça, o direito convertendo-se na última instância da moral comum numa sociedade desprovida dela. [...]”

A judicialização da política é o resultado final de um processo de construção de uma realidade na qual não há, para uma parcela significativa da população, a garantia de condições básicas de existência - como moradia, saúde e alimentação - mesmo que essas premissas sejam garantidas pela constituição. É a partir daí que se observa o que Garapon coloca em: “O juiz deve colocar-se no lugar da autoridade faltosa para autorizar uma intervenção nos assuntos particulares de um cidadão. [...] solicita-se da justiça não tanto uma decisão jurídica, porém a designação de uma pessoa referente: assistente social, terapeuta, educador, tutor, gerente de tutela etc. A Justiça procura assim introduzir mais adiante as mediações que 'faltaram' na origem. [...]”. 

O pedido de habeas corpus N° 699 572 é um exemplo disso. Uma moradora de rua, presa em flagrante por furtar R$21,00 de valor em alimentos de um supermercado, teve sua prisão convertida em preventiva e o pedido de HC inicial negado em razão da impossibilidade da aplicação do princípio da insignificância devido a reincidência de crimes similares. Entretanto, sua prisão foi revogada pelo ministro do STJ Joel Ilan Paciornik sob a justificativa de que “Cuida-se de furto simples de dois refrigerantes, um refresco em pó e dois pacotes de macarrão instantâneo, bens avaliados em R$ 21,69, menos de 2% do salário mínimo, subtraídos, segundo a paciente, para saciar a fome, por estar desempregada e morando nas ruas há mais de dez anos". Ou seja, mesmo que nesse caso o princípio da insignificância não possa ser aplicado para a emissão do Habeas Corpus, a prisão da mulher foi revogada visto que o furto cometido se deu em situação de extrema vulnerabilidade social.

É nesse sentido que, para Garapon, a magistratura do sujeito se transforma em tarefa política essencial. Se o sujeito não tem acesso, por meios diretos, a direitos e condições que lhe são garantidos pela lei, a judicialização da política se torna um meio de amparo para proteção das dignidades básicas. É o acesso ao judiciário, através das regras e procedimentos estabelecidos por ele mesmo e pela constituição, transformado em tentativa de garantir minimamente os direitos abstratos não concedidos de maneira direta.


Victoria Dote
Direito Matutino - Turma XXXVIII

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