A judicialização, ou seja, a interferência do judiciário em questões que a princípio estão no âmbito político, torna-se mais frequente com o passar do tempo. Esse fenômeno que ocorre de maneira recorrente, contribui para o protagonismo dos tribunais na contemporaneidade, em que as decisões tomadas por esse grupo tendem a servir como a “nova moral” da sociedade.
Antonie Garapon, magistrado francês, discorre sobre esse fenômeno
e pontua alguns fatos que contribuem para sua ocorrência: o avanço do neoliberalismo
e a crise do Estado de Bem-Estar Social na Europa; a ampliação de garantias
constitucionais e acesso à justiça que ocorreu no pós-guerra e a crise da
representação político-partidária. Além desses fatores, as democracias liberais
fizeram com que o homem se transformasse, criando uma certa “magistratura do
sujeito”, em que ele se torna legislador de sua própria vida. Dessa maneira, o âmbito
social se encontra em constante movimento na busca de direitos que até então
eram negados pelo Estado, fato que torna a busca pela justiça em questões até
então reservadas à política, mais frequente do que nunca.
Nesse sentido, a ação de obrigação de fazer, julgada pelo
juiz Fernando Antônio de Lima, referente à cirurgia de transgenitalização
requerida por um indivíduo, demonstra alguns desses aspectos. Caber à justiça a
decisão de mudança de sexo de um indivíduo- assim como a mudança de seu nome
social e a mudança no registro civil- evidencia o papel que os tribunais
exercem hoje. Porém, esse papel exercido pelos tribunais, de criar uma moral, não
surge das arbitrariedades dos juízes, e sim dos anseios dos próprios indivíduos
da modernidade, que buscam mudanças nas mais diversas questões que atingem a sociedade,
ou seja, mais do que a mudança nos tribunais em si, a sociedade age de maneira
jurídica na busca pelos seus direitos.
Além disso, esse caso de requerimento de mudança de sexo,
mostra como questões que até então pertenciam à âmbitos políticos, alcançaram
os tribunais, justamente pela falta de efetividade desses direitos. Com a
democracia, o acesso para o entendimento desses direitos torna-se mais fácil,
graças as garantias constitucionais, ou seja, a vontade de mudança surge do
povo e não do poder judiciário- que deve julgar com base nas normas
estabelecidas.
Portanto, na contemporaneidade, os tribunais possuem
papel fundamental para a tomada de decisões, que não surgem do nada, e sim com pressões
e anseios sociais que buscam a efetivação de direitos garantidos com a democracia.
No caso em questão, a autorização dada pelo juiz diante dos pedidos da mudança
de gênero e mudança de nome civil e social, demonstra como a sociedade tem
conseguido efetivar seus direitos por meio do instrumento da judicialização, diante
da falha do sistema político neoliberal.
Pedro Cardoso - 1° Ano - Matutino
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