Total de visualizações de página (desde out/2009)

domingo, 7 de novembro de 2021

O protagonismo dos tribunais sob o viés de Antoine Garapon: uma análise do caso da Bienal do Livro de 2019

A obra “O Juiz e a Democracia: O Guardião das Promessas”, do jurista francês Antoine Garapon, tem como pano de fundo para sua discussão o neoliberalismo e as angustias decorrentes de suas consequências, levando os indivíduos a buscarem outros horizontes, entre eles o Poder Judiciário, para o atendimento de seus anseios. Nesse contexto, a precarização das condições de trabalho, entre outros fatores, é um ponto de destaque para essa análise. Esclarecendo o protagonismo da figura do juiz, sob uma perspectiva de que o Direito Técnico é pouco suficiente, Garapon caracteriza a judicialização como um fenômeno político-social no qual uma análise sociológica focada unilateralmente no Poder Judiciário apresenta o risco de perder-se de vista processos mais profundos e mais densos de mudança social e política.

A busca pela resolução de conflitos via judiciário se dá, fundamentalmente, pela crise de representação político-partidária, retratando uma realidade de distanciamento entre as demandas sociais e a atuação política dos representantes do povo. Assim, a justiça é demandada para garantir os direitos mínimos que deveriam ser garantidos em uma sociedade democrática. Dessa forma, o francês destaca a abstração da democracia, que para ele é puramente teórica, uma vez que não considera a falta dessa liberdade tão apregoada, mas que se faz ausente na realidade de tantos indivíduos desprovidos de condições mínimas. A função tutelar da justiça, nesse cenário, passa a ser mais solicitada do que sua função arbitral, colocando o juiz na posição de suprir a autoridade faltosa e as devidas políticas públicas ausentes para autorizar uma intervenção nos assuntos particulares dos cidadãos. A esse desenvolvimento de Direito individual conceituado como tutelarização do sujeito.

A interiorização do Direito se dá num mundo sem normas externas de comportamento, onde os sujeitos são condenados a interioriza-las. O homem democrático deve incessantemente reinventar, ele próprio, o que antes era formulado pela lei positiva. Desse modo, o Direito é necessário como antecipação, prevenindo e cuidando das lides que possam surgir diante da complexidade das relações interpessoais mutáveis e constantes. Toda essa análise define a ideia central do francês, também conhecida como Magistratura do Direito, que pode ser contextualizada à realidade brasileira em diversos casos concretos, entre eles a polêmica acerca da Bienal do Livro do ano de 2019, alvo de discussão jurídica sobre a exposição de obras de conteúdo específico sem notificação explícita de seu teor, o que veio a ser entendido posteriormente como uma tentativa de censura.

No caso em questão, o desembargador Heleno Ribeira Pereira Nunes utilizou um mandado de segurança como instrumento para vedação às obras de conteúdo homoafetivo, determinando que tais deveriam se apresentar lacradas e com advertências claras sobre a temática tratada, sob pena de serem recolhidas da Bienal. Sob uma construção equivocada e que desconsidera a diversidade de pensamentos, o jurista alegou em sua proposta que o tema poderia atingir o público jovem/infantil de modo danoso, abrindo espaço para uma discussão extremista capaz de dar artifícios supostamente legais para uma parcela homofóbica da sociedade. Considerando que para chegar a tal condição de poder o referido agente da justiça tenha estudado a Constituição, faltou a ele, ao menos nessa ação, a consciência de igualdade entre os cidadãos. Ainda, por outro lado, ele acaba agregando à sua figura a ideia de um operador do Direito que toma para si a responsabilidade de definir o que é moralmente correto ou aceito, exercendo uma função que não é propriamente sua, além de colocar uma parte da população, no caso os LGBTQIA+, como indignos de exporem seus conteúdos e pensamentos.

Em oposição ao mandado de segurança, figura a medida cautelar do ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Tófoli, que carrega em si vários esclarecimentos e fundamentações jurídico-sociais capazes de salientar razões pelas quais ações como a do desembargador carioca não devem ser validadas no cotidiano brasileiro. Nas palavras do ministro, a democracia é firmada e progride apenas em um ambiente capaz de expor diferentes convicções e visões de mundo, gerando um debate “rico, plural e resolutivo”. Nesse sentido, na ausência de uma representação político-social capaz de abranger toda a pluralidade da sociedade brasileira, faz-se necessário recorrer à Justiça para impedir medidas que violem a liberdade individual e os preceitos fundamentais da Democracia, ainda que tais medidas tenham partido em esferas inferiores do próprio Poder Judiciário.


Laredo Silva e Oliveira - 1º Ano - Direito Noturno

Nenhum comentário:

Postar um comentário