Analisar um contexto histórico é um dos principais fatores
para a compreensão de determinado fenômeno social. Assim, a extrema demanda
pelo poder judiciário para a solução de problemas em qualquer esfera, quer seja
pública ou privada, mostra sua ligação para com o contexto político vivido por
todo o mundo nas últimas décadas. Isso porque, o avanço de ideologias neoliberais
em países árduos defensores do denominado “Livre-Mercado”, o pós-regimes ditatoriais
entre outros fatos históricos favoreceram essa paternalização do judiciário
sobre a sociedade como um todo.
Visto isso, ao analisar o limiar contra o fechamento das
lotéricas na comarca de Franca vê-se o que Ingeborg Maus descreve em seu texto,
“Judiciário como o superego da
sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na "sociedade órfã”,
como a ascensão do judiciário à mais alta instancia moral da sociedade, passando
a ser o mecanismo de controle de toda a comunidade democrática hodierna. Tal
fato é corroborado pela alegação de que fechar as lotéricas seria um absurdo
para os donos de tais estabelecimentos e que poderia, além disso, afetar a
sociedade, uma vez que não conseguiriam efetuar seus pagamentos/transferências em
tempo hábil. Entretanto, do ponto de vista humanitário, faz-se impossível compactuar
com tal alegação, visto que o fechamento se dará pela valorização da vida em um
contexto de pandemia.
Ademais, ainda em inspeção de tal documento jurídico, é perceptível
que o poder judiciário aparece como um apaziguador dos indivíduos sofredores,
como foi percebido por Antoine
Garapon em sua obra, “O juiz e a democracia: o guardião das promessas”.
Desse modo, o autor continua a descrever o comportamento desse instrumento como
inédito, uma vez que a justiça passa a ter sua função tutelar como preferível em
contraste com sua função arbitrária, pois esse novo ramo possibilita o juiz a
exercer sua autoridade no âmbito dos interesses particulares dos cidadãos. Em
suma, a máxima de Garapon: “O preço do individualismo é uma crescente
tutelarização do sujeito”.
Sendo assim, o
limiar contra o fechamento das lotéricas em Franca aparece como uma
exemplificação dos fenômenos judiciários explicados por Antonie Garapon e
Ingeborg Maus, visto que o documento demonstra a sobreposição dos interesses particulares
sobre o bem-estar geral da população, uma vez que o direito fundamental à vida
é ignorado quando a questão do livre mercado se faz presente. Deste modo, o
Poder Judiciário, idealizado por Montesquieu perde sua essência de interpretar
e aplicar as leis de maneira arbitrária- A justiça é cega– e passa a ser mais
um instrumento de controle social.
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