ANÁLISE
DO ABANDONO AFETIVO PELA PERSPECTIVA DO CONCEITO DE MAGISTRATURA DO SUJEITO, DE ANTOINE GARAPON.
O sociólogo francês Antoine Garapon aborda a judicialização como um fenômeno
político-social, motivado pela maior consciência dos indivíduos acerca de seus
direitos em face da crise político-partidária atual. Ainda, neste contexto, as
magistraturas naturais que cuidam do indivíduo – como a família e a religião – estão
cada vez mais fragilizadas, em oposição à magistratura do sujeito que se
fortalece no período democrático.
Assim, a magistratura do sujeito diz respeito ao conceito em que o
Direito passa a amparar a pessoa, exercendo a função de tutela normalmente
atribuída às magistraturas naturais. Por conseguinte, os juízes –
representantes do Estado – são acionados para julgar questões geralmente adstritas
ao âmbito particular do indivíduo e as quais, na atualidade, deslocam-se para a
seara jurídica que é pública.
A título de ilustração da tutelarização do sujeito pelo Direito, tem-se o
julgamento do recurso especial n° 1.887.697 – RJ pelo Superior Tribunal de
Justiça, em que a 3ª turma de desembargadores manteve e majorou a indenização do
pai à filha, devido ao reconhecimento de abandono afetivo.
No caso em questão, o genitor rompeu os contatos com a filha após o
término da união estável com a mãe, limitando-se ao pagamento da pensão alimentícia.
Outrossim, a ausência de cuidado e atenção paternas fez com que a filha realizasse
sessões de terapia por anos, visto que essa ausência a gerou ansiedade e
traumas psíquicos. Dessa forma, o tribunal reconheceu o nexo de causalidade
entre a omissão paterna e os danos à filha, o que ensejou a manutenção da
indenização imposta ao genitor e sua majoração de R$ 3.000 – fixada pelo juiz
de primeira instância – para R$ 30.000 pelo STJ.
Portanto, verifica-se pelo
julgado o papel que o Direito tem exercido de amparar os indivíduos, adentrando
até mesmo no âmbito familiar. Nas palavras de Garapon:
“A história do direito de família ilustra a
lenta penetração da Justiça no controle das relações familiares a aceleração
desta evolução, bastante sensível nestes últimos anos. As relações entre pais e
filhos se ”judicializam” progressivamente, sendo compreendidas cada vez mais em
termos jurídicos do que naturais.” (GARAPON, 1999, p. 142)
Ainda,
um exemplo da caracterização das relações familiares em termos jurídicos,
apontada pelo sociólogo, é o dever jurídico de paternidade responsável, afirmado
pela relatora na ementa.
Sendo assim, no caso supracitado,
o juiz fixou a indenização devido à falta de dever de cuidado do pai para com a
filha, sendo que esta era uma das questões normalmente resolvidas dentro da
própria família, sem a necessidade de intervenção do judiciário. Em suma,
constata-se a atualidade e a importância do conceito de magistratura do sujeito
para compreender as várias facetas que envolvem o processo de judicialização.
Referência: BRASIL. Superior Tribunal
de Justiça (3ª turma). Recurso Especial n° 1.887.697 – RJ. CIVIL. PROCESSUAL
CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. PEDIDO
JURIDICAMENTE POSSÍVEL. APLICAÇÃO DAS REGRAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL NAS
RELAÇÕES FAMILIARES. OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS E PERDA DO PODER FAMILIAR.
DEVER DE ASSISTÊNCIA MATERIAL E PROTEÇÃO À INTEGRIDADE DA CRIANÇA QUE NÃO
EXCLUEM A POSSIBILIDADE DA REPARAÇÃO DE DANOS. RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DOS
PAIS. PRESSUPOSTOS. AÇÃO OU OMISSÃO RELEVANTE QUE REPRESENTE VIOLAÇÃO AO DEVER
DE CUIDADO. EXISTÊNCIA DO DANO MATERIAL OU MORAL. NEXO DE CAUSALIDADE.
REQUISITOS PREENCHIDOS NA HIPÓTESE. CONDENAÇÃO A REPARAR DANOS MORAIS. CUSTEIO
DE SESSÕES DE PSICOTERAPIA. DANO MATERIAL OBJETO DE TRANSAÇÃO NA AÇÃO DE
ALIMENTOS. INVIABILIDADE DA DISCUSSÃO NESTA AÇÃO. Relatora Nancy Andrighi. Data do
julgamento: 2021. Disponível em: Revista
Eletrônica (stj.jus.br). Acesso em: 07 de nov. de 2021.
Nome: Gabrielle Maurin de Souza
Turno: noturno
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