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domingo, 7 de novembro de 2021

Magistratura do sujeito e direito à identidade

    Em sua obra “O juiz e a democracia: o guardião das promessas”, Antoine Gampon, um renomado antropólogo, ressalta o protagonismo dos tribunais na sociedade contemporânea. Esse fenômeno político-social não parte do próprio âmbito jurídico, é, na verdade, uma expressão da necessidade demandada pela população no contexto neoliberal. Sendo assim, devido aos princípios negligentes, mortíferos e individualistas desse sistema, bem como à ascensão da extrema-direita conservadora, os indivíduos buscaram a materialização de seus direitos pelas vias jurídicas.

    Nesse sentido, apresenta-se o conceito de magistratura do sujeito que consiste na tomada, pelo Direito, da tutela dos indivíduos, ou seja, o âmbito jurídico assume o amparo antes fornecido pelas chamadas magistraturas naturais — família, religião, moral e etc. —, que foram enfraquecidas pelo neoliberalismo.  

    Sob essa perspectiva, é possível analisar a petição realizada à Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Jales (SP) referente à realização da cirurgia de transgenitalização pelo SUS. No decorrer do texto, torna-se claro o conceito de magistratura do sujeito, visto que, apesar da existência de direitos fundamentais referentes a todos, como o direito à identidade — mesmo que não efetivamente escritas e positivadas, mas sim presentes na interpretação das leis —, mostrou-se necessário recorrer à justiça para a efetivação destes. Dessa forma, o Direito tornou-se uma via de sobrevivência encontrada pela mulher presente na petição, visto que sua identidade física e jurídica estavam sendo-lhe negadas.

    Ademais, nota-se que, nas democracias liberais, o princípio de liberdade é o norteador e a base de argumentação, contudo, este ainda reside apenas na teoria. Como apontado na petição, “O poder Judiciário tem o dever de outorgar às normas de direitos fundamentais a maior eficácia possível no âmbito do sistema jurídico (Ingo Sarlet)”, ou seja, em decorrência da negligência tanto política — em relação à representatividade — quanto social-legislativa na criação de leis e garantias à população transgênero, desloca-se a responsabilidade ao judiciário, que exerce a tutelarização do sujeito — nos estudos de Gampon —, isto é, forneceria amparo e condições concretas para exercer esse direito tão defendido nas democracias liberais. Nesse sentido, ao apontar que “permitir, pois, que o transexual viva, em plenitude, a sua vida, significa dar-lhe liberdade”, o autor do documento recorre ao Direito para garantir pressupostos básicos.

    Em suma, partindo do caso referente à cirurgia de transgenitalização pelo sistema de saúde pública brasileiro — que tem função de atender todos sem qualquer distinção —, é possível notar o impacto causado pelo fim do Estado de Bem-Estar Social e a ascensão do neoliberalismo. Devido ao desamparo gerado, a sociedade precisou buscar novos meios de sobrevivência, sendo assim, recorreu ao Direito e à Justiça, como instituições, para substituir as magistraturas naturais e fornecer amparo na batalha degradante do mundo capitalista. Sendo assim, a Justiça passa a exercer mais sua função tutelar e menos aquela de caráter arbitrário (muito defendida pelos liberais) com o intuito de preencher as fissuras deixadas pela crise político-representativa.


Larissa de Sá Hisnauer - 2º semestre - Diurno 





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