A análise em questão será sociologicamente embasada no livro “O juiz e a Democracia” (1999), do jurista francês Antoine Garapon. Já o objeto da análise será a Decisão proferida pelo ministro do STF Dias Toffoli no dia 08 de setembro de 2019 acerca da “medida cautelar na suspensão de liminar número 1248 Rio de Janeiro”, caso que ficou conhecido pela tentativa de censurar obras com imagens e teor homosseuxual da bienal do livro.
O jurista francês traz na página 140 uma frase fundamental para o bom desenvolver da presente análise: “Ela [sociedade democrática] é obrigada, hoje, a fabricar o que antigamente era outorgado pela tradição, pela religião ou pelos costumes. Forçada a inventar a autoridade, sem sucesso, ela corre então para o juiz” (GARAPON, 1996, p.140). As ações do ex-prefeito Marcelo Crivella correram as mídias de forma avassaladora ao conseguir uma liminar para recolher os livros com temáticas LGBT na Bienal. Apoiado por algumas camadas conservadoras, contraposto por camadas mais próximas de movimentos sociais, os atos de Crivella foram além da esfera social, mas caminharam frente ao judiciário.
Na decisão do Dr. Dias Toffoli, encontra-se um grande discorrer dos preceitos legais que impedem as ações contra a venda dos livros em questão, mas resta ainda entender sociologicamente o porquê de ações desse tipo ainda serem movidas, ainda acharem fundamentos na lei e continuarem tendo o judiciário como fundo para discussões desse tipo.
Por isso, vale retomar a citação do segundo parágrafo, afinal, o Brasil ainda é uma país majoritariamente cristão e homofóbio - matando uma pessoa a cada 23 horas por homofobia (GLOBO, 2019) - e esses indivíduos que têm dificuldade em aceitar princípio mais importante da nossa constituição, o da liberdade ( principalmente alheia), perpetuam ações desse tipo. Eles sentem que perdem espaço e autoridade quando as pessoas deixam de se submeterem a seus preceitos e passam a lutar pela garantia dos próprios direitos, cabe então recorrer ao judiciário como tentativa última de confirmar suas próprias convicções sob o seio da liberdade e da justiça.
Essas pessoas tentam impor um constante e falso moralismo contra as outras camadas da sociedade, como afirma Garapon, “[...] a diversidade cultural modificaram a demanda de justiça, o direito convertendo-se na última instância da moral comum numa sociedade desprovida dela” (GARAPON, 1996, p.141). Essa passagem basicamente resume os motivos dessa ação, são pessoas que não conseguem aceitar a mudança social e a diversidade e tentam justificar seus preconceitos e medos dizendo que esses fatos rompem com a “moral cristã” e “ofendem a dignidade das crianças”, mas a realidade é que a maior vítima de uma sociedade mais pluralista é o ego dos que ainda tentam manter a todo custo um poder sobre a vida alheia e submeter o outro aos próprios padrões de medida.
Além disso, outra passagem que chama a atenção dentro do subcapítulo “interiorização do direito” é “Cabe agora a ela, finalmente, fixar o limite entre o uso correto e o abuso” (GARAPON, 1996, p.149). A nossa constituição, no artigo 5º - usado para fundamentar a decisão do ministro -, firma preceitos fundamentais como igualdade e liberdade, mas deixa vago o conceito e os limites de tais termos. Por isso, essa ação em específico, tem uma característica muito interessante, enquanto aqueles que se posicionam contra a venda dos livros de dizem professando sua liberdade, aqueles que lutam pela venda dos livros o faz sob os mesmo argumentos, acrescentando ainda o direito à igualdade. Contudo, como pode se dizer que um deles não está certo?
Portanto, garante-se ao juiz um imenso poder, cabendo a ele a necessidade de dar sentido a essa vacancia terminológica, “O preço a ser pago pela liberdade é o maior controle do juiz, a interiorização do direito e a tutelarização de alguns sujeitos” (p. 140). Esse é o motivo para que tantas decisões opostas aconteçam, mesmo que sendo de ações muito parecidas, às vezes entre juízes de uma mesma vara e comarca, fruto de uma abertura quase ilimitada desses termos tão explorados na presente ação.
Para finalizar, conforme escreveu o ministro Toffoli, “De fato, a democracia somente se firma e progride em um ambiente em que diferentes convicções e visões de mundo possam ser expostas, defendidas e confrontadas umas com as outras, em um debate rico, plural e resolutivo” (TOFFOLI, 2019, p. 12). Dessa forma, não se deve desenvolver “uma espécie de criminalização insidiosa dos laços sociais” (GARAPON, 1996, p.152), uma sociedade deve ser justa e isso não é possível enquanto os indivíduos não aceitarem a pluralidade em que todas as pessoas são livres e iguais em direitos.
GABRIEL RIGONATO - NOTURNO - 2º SEMESTRE - TURMA XXXVIII
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