O jurista francês, Antoine Garapon, disserta sobre o protagonismo dos tribunais na contemporaneidade através da obra intitulada "O Juiz e a Democracia: O Guardião das Promessas". No referido livro, o autor argumenta que a judicialização é um fenômeno político-social que cresceu fortemente na atual era do neoliberalismo. Garapon expõe uma série de motivos e argumentos que explicam essa "judicialização de tudo", entre eles, cita o próprio modelo neoliberal, que solapou direitos sociais e trabalhistas, a ampliação de garantias e acesso à justiça após o término das ditaduras latino-americanas e a crise político-partidária. Não só essas questões, mas também a justiça se viu intimada a tomar decisões pois notou-se que a função tutelar foi e é mais solicitada que a arbitral devido ao ganho de consciência das classes exploradas, ao abandono das políticas públicas de um Estado neoliberal, e à mudança da arena política convencional para a arena judicial devido a crise de representação política-partidária.
A justiça e os tribunais se viram em uma situação de tutela do indivíduo moderno e "sofredor" que, desamparado pela situação política-social de seu país, no nosso caso Brasil, recorre ao poder judiciário para tentar garantir seus direitos, ou pelo menos lutar por eles em uma nova "arena". Esse fenômeno tutelar, acima proferido, foi designado, por Garapon, como "magistratura do sujeito". Nesse mundo neoliberal que vivemos, com a enorme legislação desregulamentadora (como exemplo temos as reformas da previdência que ocorreram nos últimos 30 anos), diversos atores sociais não tiveram outra escolha, a não ser travar sua luta por direitos constitucionais no campo judiciário ao invés do político tradicional.
De acordo com a professora alemã, Ingeborg Maus, a expansão do próprio campo de ação do Judiciário se deu por causa de estímulos sociais. Então, atores sociais, através da mobilização do direito, conseguiram se apropriar dos elementos necessários para a luta social através da "luta jurídica". Agora, partindo para uma análise de julgado (Caso número 70003434388), em que trata sobre a reintegração de posse de uma propriedade rural, podemos utilizar desse conceito de "magistratura do sujeito" de Garapon e do fenômeno do protagonismo dos tribunais na atualidade para realizar uma dissertação acerca do caso concreto.
Os desembargadores, em seus votos e argumentos, expuseram acerca do devido processo legal e da importância da segurança jurídica para a fundamentação de seus votos. Garapon dita que, com a judicialização e o protagonismo judiciário, há a possibilidade de um direito "feito" pelo juiz e isso inverte a carga normativa, em que a justiça é a posteriori e a lei é a priori. Dessa forma, constata-se a insegurança jurídica e complexidade de nosso mundo. Dessa forma, os juízes do caso analisado entendem (utilizam) o argumento da segurança jurídica em conformidade da jurisprudência (historicamente elitista) e se colocam como isentos (contraditório se entendermos que não há isenção dentro do direito; dentro de uma decisão judicial, isso é a base de uma decisão, no caso, escolher um lado).
A decisão judicial trazida dá ganho de causa para a parte contra indivíduos do Movimento dos Sem-Teto (MST) pois argumenta que os requisitos legais para a desapropriação por interesse social não foram cumpridos, ou seja, não houve o devido processo legal para que a ocupação torna-se legítima. È possível inferir que o MST, como ator social, utiliza a ocupação para destravar e desencadear um poder político e, após isso, provoca a justiça para que se cumpra a função social da propriedade, prevista na Constituição Federal. Desse modo, houve uma judicialização, e o tribunal teve papel central nessa disputa política-legal. Esse preceito fundamental, embora já havia na Constituição de 1934 e 1967 (porém no título de ordem econômica e social nesta), está presente agora na de 1988 no título de direitos e garantias fundamentais. Visto essa ascensão de valor, de direito, houve uma judificação da sociedade (expansão de direitos) que culminou a entrada do MST e dos proprietários rurais em uma disputa judicial, trazendo protagonismo para os tribunais, ao invés de travarem a luta no falido sistema de representação política-partidária.
Vitor Raffaini Gheralde 1 ano Dir. Matutino
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