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domingo, 7 de novembro de 2021

Análise da decisão judicial da Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Jales a respeito da petição referente a uma cirurgia de transgenitalização pelo SUS, sob a perspectiva de Antonie Garapon

Define-se petição como sendo um documento escrito por meio do qual uma das partes do processo se comunica com o Poder Judiciário, a fim de solicitar que o juiz tome uma providência com relação a uma possível violação de um direito. Nesse sentido pode-se mencionar o art.5°, inciso XXXIV, CF/88 que dispõe: “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”. Em vista disso, depreende-se que é função do Poder Judiciário resolver conflitos.

Em segunda análise, deve-se destacar o art.5°, inciso XXXV, CF/88: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça”. Em outras palavras, o judiciário tem o dever de decidir qualquer lesão ou ameaça a direitos mesmo que não haja uma lei ou norma que trate do assunto em específico. Assim, compreende-se o conceito de Judicialização discutido por Antonie Garapon, na obra denominada como “O Juiz e a Democracia: O Guardião das Promessas”.

Segundo o autor, a Judicialização corresponde a um fenômeno político-social em que determinados conflitos, não possuindo lugar para serem discutidos na esfera política, são transitados para o sistema de justiça. Em resumo, corresponde a um mecanismo que viabiliza a solução de um conflito por meio do protagonismo hipertrofiado do juiz. Nessa perspectiva, Antonie Garapon destaca a influência do neoliberalismo, uma vez que tal doutrina visa, em linhas gerais, defender a autonomia do indivíduo mediante ínfima intervenção do Estado em diversas esferas sociais, tais como a educação, saúde e transporte.

Além disso, para o neoliberalismo, o ideal de justiça é que o direito seja unicamente arbitral e não tutelar, contudo, dado o cenário social brasileiro em que pese a ineficiência do Poder Legislativo em solucionar conflitos sociais devido ao conservadorismo de diversos grupos, cabe ao judiciário atuar na perspectiva de socorro ao indivíduo, quando este se vê desamparado e desprotegido das políticas sociais. A exemplo disso, pode-se destacar a referida decisão judicial da Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Jales referente à cirurgia de transgenitalização.

Em resumo, o processo decorre mediante petição ao Poder Judiciário de São Paulo a fim de atender os pedidos de um transexual que pleiteia a realização de uma cirurgia, bem como a substituição do nome no Registro Civil de Nascimento. Além disso, a parte-autora solicitava a alteração de documentos, como a carteira de identidade, o cadastro de pessoa física (CPF) e passaportes.

Tais solicitações se fizeram necessárias, uma vez que a paciente se submeteu a diversos tratamentos psicológicos e psiquiátricos; por meio de laudos, foi diagnosticada com desvio psicológico permanente de identidade sexual (a parte-autora sentia-se psicologicamente mulher); o requerente sofria de diversas doenças mentais, tais como a depressão, bem como buscou o Hospital de Base de São José do Rio Preto, que por sua vez iniciou o tratamento, mas posteriormente o suspendeu alegando que o procedimento cirúrgico não era custeado pelo SUS e que somente o HC da FMUSP Hospital das Clínicas de São Paulo poderia realizar a cirurgia.

Em vista disso, o Poder Judiciário decidiu atender os pedidos realizados pela parte-autora. Assim, para dar sustentação a decisão, o Poder Judiciário lançou mão da interpretação do art.13 e parágrafo único do atual Código Civil, da resolução n° 1955/2010 do Conselho Federal de Medicina, de análises doutrinarias, bem como da literatura de Graciliano Ramos. Portanto, o judiciário concedeu o direito à alteração do nome da parte-autora e do registro civil; à substituição de outros documentos sem a constatação da força da decisão judicial, bem como à cirurgia de transgenitalização realizada pelo HC da FMUSP.

Em última análise, depreende-se que a Judicialização, discutida na obra de Antonie Garapon, se fez presente na decisão judicial analisada, uma vez que a parte-autora lançou mão da ajuda do poder judiciário como forma de viabilizar o direito à mudança de sexo. Por fim, vale ressaltar que a discussão a respeito do assunto é irrisória no Congresso Nacional, visto que determinados grupos conservadores dificultam a abertura do diálogo. Assim, tal atitude inviabiliza a elaboração de políticas públicas que possibilitem que outros hospitais possam realizar tais procedimentos cirúrgicos e acompanhamentos psicológicos e hormonais que atendam às necessidades da comunidade dos transexuais.

(Italo de Abreu Correia – 1°ano – Direito Noturno)

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