Análise
da decisão judicial da Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca
de Jales a respeito da petição referente a uma cirurgia de transgenitalização
pelo SUS, sob a perspectiva de Antonie Garapon
Define-se
petição como sendo um documento escrito por meio do qual uma das partes do
processo se comunica com o Poder Judiciário, a fim de solicitar que o juiz tome
uma providência com relação a uma possível violação de um direito. Nesse
sentido pode-se mencionar o art.5°, inciso XXXIV, CF/88 que dispõe: “são a
todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: o direito de
petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou
abuso de poder”. Em vista disso, depreende-se que é função do Poder Judiciário
resolver conflitos.
Em
segunda análise, deve-se destacar o art.5°, inciso XXXV, CF/88: “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça”. Em outras
palavras, o judiciário tem o dever de decidir qualquer lesão ou ameaça a direitos mesmo que não haja uma lei ou norma que trate do assunto em
específico. Assim, compreende-se o conceito de Judicialização discutido por
Antonie Garapon, na obra denominada como “O Juiz e a Democracia: O Guardião das
Promessas”.
Segundo
o autor, a Judicialização corresponde a um fenômeno político-social em que
determinados conflitos, não possuindo lugar para serem discutidos na esfera
política, são transitados para o sistema de justiça. Em resumo, corresponde a
um mecanismo que viabiliza a solução de um conflito por meio do protagonismo
hipertrofiado do juiz. Nessa perspectiva, Antonie Garapon destaca a influência
do neoliberalismo, uma vez que tal doutrina visa, em linhas gerais, defender a
autonomia do indivíduo mediante ínfima intervenção do Estado em diversas
esferas sociais, tais como a educação, saúde e transporte.
Além
disso, para o neoliberalismo, o ideal de justiça é que o direito seja
unicamente arbitral e não tutelar, contudo, dado o cenário social brasileiro em
que pese a ineficiência do Poder Legislativo em solucionar conflitos sociais
devido ao conservadorismo de diversos grupos, cabe ao judiciário atuar na
perspectiva de socorro ao indivíduo, quando este se vê desamparado e
desprotegido das políticas sociais. A exemplo disso, pode-se destacar a
referida decisão judicial da Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da
Comarca de Jales referente à cirurgia de transgenitalização.
Em
resumo, o processo decorre mediante petição ao Poder Judiciário de São Paulo a
fim de atender os pedidos de um transexual que pleiteia a realização de uma
cirurgia, bem como a substituição do nome no Registro Civil de Nascimento. Além
disso, a parte-autora solicitava a alteração de documentos, como a carteira de
identidade, o cadastro de pessoa física (CPF) e passaportes.
Tais
solicitações se fizeram necessárias, uma vez que a paciente se submeteu a
diversos tratamentos psicológicos e psiquiátricos; por meio de laudos, foi
diagnosticada com desvio psicológico permanente de identidade sexual (a
parte-autora sentia-se psicologicamente mulher); o requerente sofria de
diversas doenças mentais, tais como a depressão, bem como buscou o Hospital de
Base de São José do Rio Preto, que por sua vez iniciou o tratamento, mas
posteriormente o suspendeu alegando que o procedimento cirúrgico não era
custeado pelo SUS e que somente o HC da FMUSP Hospital das Clínicas de São
Paulo poderia realizar a cirurgia.
Em
vista disso, o Poder Judiciário decidiu atender os pedidos realizados pela
parte-autora. Assim, para dar sustentação a decisão, o Poder Judiciário lançou
mão da interpretação do art.13 e parágrafo único do atual Código Civil, da
resolução n° 1955/2010 do Conselho Federal de Medicina, de análises
doutrinarias, bem como da literatura de Graciliano Ramos. Portanto, o
judiciário concedeu o direito à alteração do nome da parte-autora e do registro
civil; à substituição de outros documentos sem a constatação da força da
decisão judicial, bem como à cirurgia de transgenitalização realizada pelo HC
da FMUSP.
Em
última análise, depreende-se que a Judicialização, discutida na obra de Antonie
Garapon, se fez presente na decisão judicial analisada, uma vez que a
parte-autora lançou mão da ajuda do poder judiciário como forma de viabilizar o
direito à mudança de sexo. Por fim, vale ressaltar que a discussão a respeito
do assunto é irrisória no Congresso Nacional, visto que determinados grupos
conservadores dificultam a abertura do diálogo. Assim, tal atitude inviabiliza a
elaboração de políticas públicas que possibilitem que outros hospitais possam
realizar tais procedimentos cirúrgicos e acompanhamentos psicológicos e
hormonais que atendam às necessidades da comunidade dos transexuais.
(Italo de Abreu Correia – 1°ano – Direito Noturno)
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