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segunda-feira, 2 de setembro de 2019

O reconhecimento do pluralismo jurídico dentro de uma legalidade setentrional


A estrutura brasileira fora construída e consolidada em um mar de pluralidades, epistemologias que, se somadas, alcançam muito além do Sul: mostram-se versões do sudeste, sudoeste e centro-sul... Mesmo imerso em um caldo de diferenças tão múltiplas e abissais, o Brasil – adequando-se à roupagem do “Brazil” – frequentemente aparece como uno, permitindo que cânones latentes emitam desigualdades e marginalizações. Dentro dessa visão monolítica, apresenta-se a alta concentração fundiária: segundo o jornal Valor Econômico, 1% dos proprietários são responsáveis por 45% da área rural brasileira. Tal fator, não só significa uma segregação de nosso meio rural, como também uma exclusão de inúmeros brasileiros e brasileiras do contexto econômico do país, dado que suas exportações se voltam, principalmente, à agropecuária. 


“Esta cova em que estás com palmos de medida

É a conta menor que tiraste em vida (x2)

É de bom tamanho nem largo nem fundo

É a parte que te cabe deste latifúndio (x2) [...]”


A música “Funeral de um lavrador”, composta por Chico Buarque e João Cabral de Melo Neto, representa as dores da realidade agrária no Brasil. Repleto de conflitos, o meio rural do país é palco de inúmeras batalhas e, frequentemente, banhado em sangue daqueles que são, constantemente, desprotegidos pelo Estado: os agricultores sem terras, estes que têm sua realidade fadada a ser esquecida pelas forças dominantes.

Nesse ínterim, o agravo de instrumento datado em 2001, este interposto pelos donos da Fazenda Primavera em favor da reintegração de posse da mesma, denota não só o embate entre grupos abissais presentes em território brasileiro, como também a mobilização do ordenamento jurídico como ferramenta para a resolução de tal conflito. Mediante o não deferimento do pedido, o Direito demonstra a possibilidade de ser permeável diante o mapa de possibilidades: o Sul, reiteradamente excluído e segregado, mostra-se vivo no campo jurídico, vencendo o embate em solo inimigo, em solo do setentrional.

Em seu texto “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone”, a autora Sara Araújo defende que o Direito se desvencilhe da roupagem da universalidade e da monocultura, a fim de que o mesmo seja capaz de construir pontes entre as realidades abissais quebrando com a interpretação dada por lentes unilaterais. Faz-se incongruente que, dentro de um Estado de Direito, o ordenamento jurídico seja produtor (e reprodutor) de segregacionismos.

Dentro dessa contribuição interpretativa, ao mobilizar um Direito que tem como base as epistemologias do Norte, as minorias e movimentos sociais tomam para si o direito de também dizer o Direito. Não obstante, a função social não se configura como um conceito anticapitalista, mas representa uma reação contra os desperdícios da potencialidade produtiva, denotando propriedades não só como meros bens, mas também meios. São as epistemologias do Sul apropriando-se da margem de criação jurídica proposta dentro do âmbito da legalidade imposta pelo Norte. 

Ao assumir a possibilidade de inserção de Ecologia dos Saberes, o ordenamento jurídico mostra-se apto a também reconhecer a Ecologia de Justiças: a parte que lhe cabe deste latifúndio não pode estar mais subordinada à covas com palmos de medidas, mas sim, entrelaçada ao reconhecimento de direitos daqueles que não possuem terras de serem seus possuidores, e aos deveres dos proprietários de não tornarem as terras meros instrumentos de desigualdades.



Vitória Garbelline Teloli - 1º ano Direito (noturno)



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