A colonização foi um movimento que iniciou na transição
do século XIV para o XV, em que os países buscavam afirmar sua hegemonia
impondo seus valores para aqueles que eram considerados inferiores, logo, foram
explorados seus recursos e angariado novos territórios. Nessa lógica, foi
gerada uma hierarquização cartográfica, a qual subjugou o famigerado Sul.
Diante disso, o menosprezo para com esses locais não se limitou à época e
reverberou em demais áreas do saber, exemplo disso foi o próprio âmbito jurídico.
Assim sendo, é necessário analisar a dicotomia criada pela legalidade – legal e
ilegal – e o conflito que os desiguais encontram para ganhar visibilidade nesse
contexto.
A princípio, ao considerar a vivência populacional, é
nítido que a abissalidade existente entre os seres está presente em todo o
cotidiano, de modo que a linha traçada para definir o que é correto embasa-se
na legalidade. Uma típica “legalidade” eurocêntrica que provém de uma classe que
pretende manter sua preponderância, a qual endossa uma prioridade da
propriedade privada em detrimento da dignidade. Para o sociólogo Boaventura de
Souza Santos, o legal e o ilegal são as formas relevantes que determinam a
existência perante a lei, dessa forma, aquele que está em uma condição de “ilegalidade”
não existe, ou melhor, torna-se invisível. Essa monocultura jurídica é instrumentalizada,
pois aquele indivíduo não consegue garantias nem mesmo para sua sobrevivência,
quem dirá para se adequar nas “legalidades” moldadas desse sistema que se
transveste de racional e de justo, mas que é parcial e subjetivo, agindo de
maneira proposital para que essa população não adentre nessa afamada “ordem”.
Não obstante, há uma naturalização das diferenças, de
modo que “legaliza” uma cultura de dominação e exploração, ofuscada pela crença
na meritocracia. Exemplo disso pode ser encontrado no caso da Fazenda Primavera
que foi levada à julgamento devido a ocupação do MST. Para os defensores da
monocultura, os ocupantes estavam se apossando de uma propriedade privada da
qual não tinham direito – ou, ainda, um direito “inferior” -, não seriam
produtivos para o país, logo, não devem ser protegidos ou valorizados pela lei.
No entanto, esquecem que há um embasamento legal para esses indivíduos, baseado
na função social da terra. Tal suposta antinomia jurídica demonstra a
instrumentalização do direito, de maneira que quem atribui o sentido às normas
é o próprio intérprete, portanto, podendo reafirmar ou não a epistemologia
nortenha. Nesse caso específico, percebe-se que é oferecido visibilidade aos
ocupantes – afirmando este “espaço dos possíveis” -, dando uma horizontalidade
às demandas e fazendo uso da ecologia de direitos.
Portanto, a partir do exposto, nota-se que há uma
corrente que tende a silenciar aqueles que estão marginalizados pelo direito,
não reconhecendo nem mesmo sua dignidade, para que o domínio classista seja
efetivo. Nessa lógica, deve-se dar voz às epistemologias do sul e recuperar
ordenamentos que foram apagados juridicamente, assim, garante-se uma
diversidade de direitos e justiças, uma vez que não há somente uma perspectiva de
legalidade. Inclusive, casos como o exposto pelo julgado recebem uma
possibilidade de inclusão, oferecendo uma primazia para uma emancipação jurídica,
além de demonstrar que a justiça não está a serviço do capitalismo ou da
produtividade. Dessa forma, pode-se vislumbrar, como diz Sara Araújo, uma
aprendizagem jurídica recíproca.
Bianca de Faria Cintra -
Direito Noturno, 1º Ano.
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