Bruna
Araújo identifica duas características latentes do direito contemporâneo. Um forte
eurocentrismo e um sentido colonizador que relembra os tempos em que os
europeus saiam com suas caravelas pelo mundo, para impor seu modo de pensar,
viver e ver o mundo aos demais. Assim, esses são os dois grandes problemas do
direito contemporâneo no mundo, o forte modelo eurocêntrico do direito e a
imposição desse modelo para todos os países e nações do globo terrestre.
A
autora é claramente influenciada pelo livro Epistemologias do Sul, escrito por
Boaventura de Sousa Santos. Nesse livro, é proposto um modelo de interpretação
onde o Norte teria subordinado o Sul impondo a sua maneira de produzir conhecimento
e enxergar o mundo. Grosseiramente, daria para afirmar que a Epistemologia do
Norte funcionaria como um Fato Social na visão de Durkheim, onde Fato Social é
tudo aquilo que pela maneira que as coisas estão dispostas na sociedade se
impõe aos indivíduos sob pena deles ficarem de fora de um conjunto. Embora, Durkheim
não se encaixe perfeitamente para explicar a imposição de uma Epistemologia do
Norte, a pena para quem não aderir a ela é ser taxado de atrasado e ficar de
fora do conjunto dos países desenvolvidos.
Portanto,
a Epistemologia do Norte é imposta praticamente a todos os indivíduos que vivem
sob a influência ocidental, mesmo os que acham estar completamente imune a ela.
Um exemplo simples e prático é que muitos historiadores da USP comemoram a
introdução de cota para indígena no vestibular da FUVEST, com o argumento de que
agora os índios poderão ser sujeitos ativos na escrita de sua história. Evidentemente,
que a cota é justa e necessária, mas comemorar e argumentar que os indígenas só
poderiam escrever sua história a partir do ponto de vista que eles adentrem em
uma faculdade de matriz francesa, é impor a cultura do ocidente sobre a dele, é afirmar que se quiserem ter a cultura deles valorizada é necessário que se submetam as instituições
ocidentais.
Sara
Araújo, analisa um movimento parecido que ocorreu com o direito. Se a cultura indígena
é valorizada dentro da visão ocidental, apenas se seguir a Epistemologia do Norte.
Como a história indígena ser feita por indígenas formados em história pela USP,
ou os saberes “medicinais” indígenas só serem validados após serem avalizados
pela ANVISA e validado por uma importante universidade pública, com o direito
ocorre a mesma coisa. A autora chama
atenção para o conceito de pluralismo jurídico que foi instrumentalizado por instituições
ocidentais e perdeu sua pluralidade. O que ocorre é uma subordinação de saberes
jurídicos, onde os saberes jurídicos não ocidentais só serão utilizados para
servir de instrumento do acessório principal que é o direito europeu.
Para
romper com essa subordinação, a autora lança mão do termo ecologia de direitos,
que no âmbito geral poderia ser denominado de ecologia de saberes. Onde agora
não é mais o Sul subordinado ao Norte, e sim ambos nos mesmos níveis com saberes jurídicos
lado a lado, sempre somando um ao outro. No lugar de toda produção material e "intelectual" ser examinada a partir da perspectiva europeia e, eventualmente, um
conhecimento “marginalizado” servir de instrumento, agora todo produção é
analisada a partir de várias perspectivas e nenhuma se sobrepõem a outra.
No
julgamento da reintegração de posse da fazenda está posto este debate, não há
uma negação absoluta do direito do proprietário a rever a sua propriedade. Mas
há um debate maior que isso, seria o modo de produção empregado por ele o único
válido? O MST tem o direito de ocupar todas as fazendas? O direito do
proprietário se sobrepõe aos dos demais? O direito dos demais se sobrepõe ao do
proprietário? Assim, pode haver uma ditadura de uma maioria? A resposta para
todas as questões é não. Sara Araújo não propõe a destruição do latifúndio. Mas
ela propõe uma nova maneira para o mundo, não é só latifúndio, é também a
pequena propriedade, outros modos de produção que não somente o intensivo. É o
Sul mais o Norte, e não um excluindo o outro, é abarcar todos os pensamentos e
mostrar que não há somente uma verdade e um jeito de se viver em mundo em que
predomine a ecologia de saberes. Assim, é compreensível que exista votos divergentes
no julgamento, e devemos analisar cada um em sua perspectiva sem descartar
nenhuma, mas defendendo as perspectivas que acreditamos serem mais justas. É
isso que os desembargadores fazem em seus votos, tantos os dois que votaram contra
a reintegração de posse e trazem argumentos constitucionais e humanitários favoráveis
aos sem-terras em seus votos, quanto o desembargador que vota a favor da reintegração
de posse alegando que o proprietário teve suas posses invadidas e assim,
consequentemente, seus direitos violados.
Ricardo da Silva Soares-Noturno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário