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segunda-feira, 2 de setembro de 2019

O Latifúndio vs A Epistemologia do Sul

       Quando se trata de Direito, é inegável que o modelo atual é amplamente fundamentado no sistema europeu, ou seja, o primado do direito sustenta-se como um modelo eurocêntrico de imposição mundial que reproduz e expande as práticas colonialistas e imperialistas de exclusão, submissão e inferiorização, como expõe a socióloga Sara Araújo. Sob essa perspectiva, ao analisar-se a questão fundiária no Brasil, não é surpresa a predominância de grandes latifúndios e a existência de terras deixadas improdutivas visando uma valorização monetária. A partir disso, é comum a ação de movimentos como o MST que ocupam a terra e exigem, por meio da justiça, que a posse de tal bem seja dada a quem pretende cumprir a função social da propriedade.
Nessa lógica, tem-se o agravo de instrumento n° 70003434388 do ano de 2001, julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que revisa uma decisão judicial que negou ao proprietário a reintegração de posse de uma propriedade ocupada pelo MST. Desse modo, o veredito do tribunal foi o de negar o requerimento, decidido pela razão de dois votos a favor da negação e um voto contra, fundamentando-se em argumentos que valorizavam aspectos sociais e que evidenciavam o fato de que a justiça não pode defender o descumprimento da função social da terra. Assim, citando-se um conceito que Sara Araújo utiliza em seu trabalho, pode-se salientar que tal resolução promoveu uma ruptura da visão monolítica que o Direito comumente sustenta, tanto no seu campo prático como no epistemológico, e que gera exclusões abissais.
Ademais, fazendo-se um paralelo com o caso, podemos analisá-lo sob a ótica de Boaventura de Sousa Santos com seus conceitos de epistemologias do Norte e do Sul. Nesse sentido, temos uma linha que divide a atualidade; de um lado posiciona-se o Norte, imperialista, que toma por correto apenas o conhecimento, a ciência e o direito produzidos por ele; do outro, temos o Sul, subjugado e oprimido, constituído de uma pluralidade de conhecimentos sociais e culturais. Com isso, a decisão do tribunal em defender os trabalhadores em detrimento do grande proprietário contribui para a valorização da epistemologia do Sul e da ecologia dos saberes, esta última que visa a recuperação da diversidade em função do monoculturalismo capitalista.
      Por fim, é evidente que a sociologia da invisibilidades rodeia a atualidade e, com isso, tudo que é local torna-se invisível pela lógica global. Dessa maneira, como ditam Boaventura e Sara Araújo, é preciso criticar o único saber e dar espaço para a heterogeneidade e para o pluralismo, ou seja, é preciso contestar a razão metonímica que desconsidera os aspectos sociais, políticos e econômicos locais e que desvaloriza a multiplicidade de universos jurídicos classificando-os como inferiores e primitivos. Assim, “a crítica da razão metonímica é, pois, uma condição necessária para recuperar a experiência desperdiçada. O que está em causa é a ampliação do mundo através da ampliação do presente. Só através de um novo espaçotempo será possível identificar e valorizar a riqueza inesgotável do mundo e do presente.” (SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista crítica de ciências sociais, 2002). Nesse contexto, a decisão do tribunal no agravo n° 700034343888 de defender a posição do MST em oposição ao pedido do latifundiário é um grande exemplo de superação da lógica neo-colonialista e de auxílio aos marginalizados e oprimidos.

Juliana Silva Pastore - Direito 1° ano (matutino)

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