Durante o ciclo da História, o surgimento e desenvolvimento
do Direito esteve sempre ligado ao modelo econômico-social vigente em tal época.
Tendo em vista isso, por exemplo, o ordenamento jurídico passa por diversas
transformações ao longo da evolução dos sistemas econômicos e, no contexto
hodierno, não é diferente. A partir do desenvolvimento exacerbado do
capitalismo liberal eurocêntrico, o aspecto jurídico moldou-se a favor de uma
visão colonialista e que – inconscientemente ou não – valorizou por muito tempo
apenas os interesses dos que possuem maior poderio econômico, ou seja, tomou
uma parte como se fosse todo.
Diante dessa afirmação de uma “razão metonímica” – tomar uma
parte pelo todo – Sara Araújo organiza sua tese a partir de uma reflexão acerca
da eterna luta entre os pólos Norte e Sul, onde o norte representaria a parcela
da sociedade que dita a economia e cultura mundiais, enquanto o sul englobaria
a “marginalidade” cultural e social. Sob esse prisma, qualquer tipo de
organização que busque fugir dessa imposição de um modelo capitalista-ocidental
enfrenta diversos tipos entraves que impedem a manifestação de seus direitos,
como no caso do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra.
Tal grupo seria integrante do pólo “Sul” pois foge dos padrões
ocidentais impostos pela cultura nortista e busca, através da valorização do
coletivo em detrimento do privado, a diminuição da pobreza e desigualdade
ocupando terras improdutivas. Face a esse enfrentamento de interesses,
desenvolveu-se o caso da fazenda Primavera, onde um casal de latifundiários
clamou por uma reintegração de posse através de um agravo de instrumento
interposto contrariamente a decisão judicial dada a favor do movimento social. Entretanto,
a decisão final foi de improvimento, com base nos argumentos da Função Social
da Terra, sendo esse um direito assegurado pela Constituição. Assim sendo,
percebe-se uma decisão que leva em consideração as chamadas epistemologias do
sul, dando relevância à aspectos que foram apagados de maneira covarde pela
imposição de uma cultura que não possui uma horizontalidade jurídica.
Em contrapartida, não podemos nos esquecer que a mentalidade
de exploração colonialista ainda encontra-se presente no Direito, sendo possível
visualizá-la no discurso de Luiz Augusto Braga que, tentando maquiar seus
preconceitos enraízados pela cultura do “norte”, acusa o MST de causar uma “insegurança”
ao direito à propriedade, algo completamente desconexo levando em conta a
improdutividade das terras ali presentes.
Finalmente, percebe-se que, apesar dos recentes avanços sociais
presentes no âmbito jurídico de tentar equiparar os direitos dos pólos, a
jurisprudência ainda possui diversos aspectos que encontram-se atracados a
antigos preconceitos. Urge, portanto, o exercício de uma mentalidade que pare
de pautar a Sociedade de forma dualista, ou seja, enxergar o mundo com uma visão
certo/errado, progresso/atraso, norte/sul; apenas através dessa racionalização
será possível a prática da chamada Ecologia dos Direitos e Justiças,
desconsiderando a imposição de um Direito monolítico que seja pautado apenas
por uma visão ocidental e eurocêntrica.
Lucas Perseguino Rodrigues de Araujo - Direito Matutino
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