É de se esperar que a origem histórica de uma nação construirá em parte a cosmovisão de todos que ao país julguem pertencer, levando em conta a multitude de fatos históricos desde a gênese de uma pátria até seu contemporâneo e as incontáveis consequências decorrente dos mesmos. Dito isso, uma das enquadrações históricas no quais o Brasil se encaixa e que repercute na mundividência dos brasileiros é de ser um país firmado no Sul - tanto na sua posição geográfica quanto à proposta classificação socioeconômica da divisão Norte-Sul. Fortemente associada a países com passados coloniais, a divisão Sul geralmente remete à países em desenvolvimento e que dependem (ou dependeram até recentemente) de um passado extrativista e exportador relacionado ao modelo colônia-metrópole: De maneira geral, os países e governos do Sul tendem priorizar e suprir demandas externas, implicando em certa negligência proposital quanto aos eventos e exigências internas que ocorrem na própria nação.
A prática do Direito em si, sendo um dos pilares necessários para a manutenção de qualquer nação, pode ser examinada como uma epistemologia hereditária que leva consigo infinitos traços que refletem a história de um país, também logicamente apresentará um claro panorama sobre onde um país se encaixará na divisão Norte-Sul. No Agravo de Instrumento nº 70003434388, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, vemos uma interessante dualidade de perspectivas quanto ao caso, onde integrantes do Movimento Sem Terra ocuparam e clamaram pela posse de uma fazenda local, alegando que a mesma não cumpria sua função social e era então passível de ser desapropriada pelos integrantes do grupo através da transferência de sua posse.
Em relação aos trâmites do caso em si, vemos reflexos da mentalidade associada ao Sul no exercício legal brasileiro: Quanto aos votos favoráveis a reintegração, a função social foi em grande parte ignorada, afirmando que a produtividade de fato da fazenda não tornava procedente a apropriação, implicando assim que ainda que a mesma descumprisse a legislação trabalhista e carregasse sua produção de modo irracional e antiético, não seria passível de desapropriamento: O abastecimento do mercado e das exportações ainda era a prioridade, tal como foi séculos atrás.
Ultimamente, porém, em um rompimento com as barreiras eurocêntricas, vemos que os votos "do Sul" não foram o suficiente, com a ação sendo por fim indeferida. Como dito pela jurista portuguesa Sara Araújo, a concepção de um direito orgânico que se quebra dos paradigmas legais hereditários europeus e estabelece uma prática jurídica mais próxima e relacionada com a realidade de fato vivenciada pelo Sul é essencial para que não se mantenha uma noção de um Direito pervasivamente egoísta que se importa em apenas manter suas próprias tradições enviesadas no Norte a triste custo de uma prática legal verdadeiramente inclusiva e efetiva à realidade do Sul.
Rodrigo Riboldi Silva
1°Ano - Direito - Noturno
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