Total de visualizações de página (desde out/2009)

segunda-feira, 2 de setembro de 2019


Sul vs Norte

O texto de Sara Araújo trata da divisão das ciências (e do Direito) em dois "pólos": epistemologias do Norte e epistemologias do Sul.
As epistemologias do Norte corresponde a uma visão do Direito que é desenvolvido e praticado nos países desenvolvidos. Por se considerar superior e correto (eurocêntrico), impõe-se sobre outras culturas, consideradas primitivas, marginalizando-as, ao mesmo tempo que procurar ser o modelo que levará o mundo ao progresso.
As epistemologias do Sul são um conjunto de propostas e questionamentos que desafiam as epistemologias do Norte, visando apontar as exclusões que foram feitas pelos conceitos eurocêntricos e propor mudanças nas teorias, bem como criar outras teorias e perguntas sobre o direito moderno.      Esses dois "pólos" são separados por uma "linha abissal", que faz com que os conhecimentos e direitos do lado de lá (Sul, atrasado) não sejam relevantes, sendo invisíveis e rejeitados pelo lado de cá (Norte, avançado) por serem diferentes das suas ideologias.



A produção de invisibilidades é assegurada pelas cinco monoculturas do pensamento moderno: 
  • a monocultura do saber e do rigor do saber (cria o ignorante);
  • a monocultura do tempo linear (determina o residual);
  • a monocultura da naturalização das diferenças (legitima a classificação do inferior);
  • a monocultura dos critérios de produtividade capitalista (decreta o improdutivo);
  • a monocultura do universalismo abstrato (demarca o que é local e estabelece a sua irrelevância).        
Uma forma de combater essa tendência é, por exemplo, considerar que todas as formas de conhecimento são incompletas. É disso que trata a ecologia dos saberes, que se opõe à monocultura do saber (que transforma a ciência e o Direito em um conjunto único e padronizado de conhecimento, que deve ser adotado por todos como se fosse o correto) e visa relacionar os diferentes saberes (Norte e Sul) causando um enriquecimento das ciências, unindo-as em um único conjunto. Assim, pretende-se reconhecer o pluralismo político e combater o pensamento abissal. Essa proposta é necessária também pelo fato dos países do "pólo" Norte não terem sido capazes de resolver todos os seus problemas sociais por si sós.  

Uma tentativa prática dessa proposta é observada no acórdão que possui a decisão de três desembargadores, que analisaram um agravo de instrumento interposto por um casal proprietário de uma terra que foi invadida pelo MST, que visava anular a decisão que não permitiu que pudessem ter a área invadida recuperada. Por maioria de votos o agravo não foi deferido.                                          O desembargador Luís Augusto Coelho Braga foi o único que votou conta a reintegração de posse alegando que o direito de posse é o que deveria ser levado principalmente em consideração, além de afirmar que os invasores não queriam ocupar o local para aproveitá-lo melhor, mas pressionar o governo a realizar a reforma agrária. Afirma ainda que é papel do governo fazer a reforma agrária e não do judiciário, e que permitir que uma terra fosse ocupada segundo o não cumprimento da função social de propriedade, seria uma ameaça contra à paz social. Esse ponto de vista corresponde à epistemologias do Norte, que faz com que o juiz seja uma mero aplicador da lei, não a interpretando de modo a torná-la benéfica para a sociedade, reduzindo as desigualdades.                                            Por outro lado, a decisão dos desembargadores  Carlos Rafael dos Santos Junior e Mário José Gomes Pereira, está de acordo com as epistemologias do Sul, pois impediu a reintegração de posse por não terem considerado a propriedade produtiva, não respeitando o princípio da função social.                    Essa atitude se mostra positiva e pode ser considerada um começo para que mudanças sociais sejam finalmente implementadas no Brasil, já que, na prática, a reintegração de posse é permitida na grande maioria dos casos, mesmo que essas áreas estejam desocupadas.         


Cabe ressaltar que as mudanças propostas pelas epistemologias do Sul não visam excluir as ideias do Norte, mas fazer com que um lado aprenda com o outro, formando uma ciência harmônica e capaz de promover as transformações sociais e democratização das sociedades.
  
 Allan Patrick Ayres de Souza  - 1º Direito noturno

Nenhum comentário:

Postar um comentário