Sul vs Norte
O texto de Sara Araújo trata da divisão das ciências (e do Direito) em dois
"pólos": epistemologias do Norte e epistemologias do Sul.
As epistemologias do Norte corresponde a uma visão do Direito que é
desenvolvido e praticado nos países desenvolvidos. Por se considerar superior e
correto (eurocêntrico), impõe-se sobre outras culturas, consideradas
primitivas, marginalizando-as, ao mesmo tempo que procurar ser o modelo que levará
o mundo ao progresso.
As epistemologias do Sul são um conjunto de propostas e questionamentos
que desafiam as epistemologias do Norte, visando apontar as exclusões que foram
feitas pelos conceitos eurocêntricos e propor mudanças nas teorias, bem como
criar outras teorias e perguntas sobre o direito moderno.
Esses dois "pólos" são separados por uma "linha abissal",
que faz com que os conhecimentos e direitos do lado de lá (Sul, atrasado) não
sejam relevantes, sendo invisíveis e rejeitados pelo lado de cá (Norte,
avançado) por serem diferentes das suas ideologias.
A
produção de invisibilidades é assegurada pelas cinco monoculturas do pensamento
moderno:
- a
monocultura do saber e do rigor do saber (cria o ignorante);
- a
monocultura do tempo linear (determina o residual);
- a
monocultura da naturalização das diferenças (legitima a classificação do
inferior);
- a monocultura dos critérios de produtividade
capitalista (decreta o improdutivo);
- a
monocultura do universalismo abstrato (demarca o que é local e estabelece
a sua irrelevância).
Uma forma
de combater essa tendência é, por exemplo, considerar que todas as formas de
conhecimento são incompletas. É disso que trata a ecologia dos saberes, que se
opõe à monocultura do saber (que transforma a ciência e o Direito em um
conjunto único e padronizado de conhecimento, que deve ser adotado por todos
como se fosse o correto) e visa relacionar os diferentes saberes (Norte e Sul)
causando um enriquecimento das ciências, unindo-as em um único conjunto. Assim,
pretende-se reconhecer o pluralismo político e combater o pensamento abissal.
Essa proposta é necessária também pelo fato dos países do "pólo"
Norte não terem sido capazes de resolver todos os seus problemas sociais por si
sós.
Uma
tentativa prática dessa proposta é observada no acórdão que possui a decisão de
três desembargadores, que analisaram um agravo de instrumento interposto por um
casal proprietário de uma terra que foi invadida pelo MST, que visava anular a
decisão que não permitiu que pudessem ter a área invadida recuperada. Por
maioria de votos o agravo não foi deferido.
O desembargador Luís Augusto Coelho Braga
foi o único que votou conta a reintegração de posse alegando que o direito de
posse é o que deveria ser levado principalmente em consideração, além de
afirmar que os invasores não queriam ocupar o local para aproveitá-lo melhor,
mas pressionar o governo a realizar a reforma agrária. Afirma ainda que é papel
do governo fazer a reforma agrária e não do judiciário, e que permitir que uma
terra fosse ocupada segundo o não cumprimento da função social de propriedade,
seria uma ameaça contra à paz social. Esse ponto de vista corresponde à epistemologias
do Norte, que faz com que o juiz seja uma mero aplicador da lei, não a
interpretando de modo a torná-la benéfica para a sociedade, reduzindo as
desigualdades.
Por outro lado, a decisão dos desembargadores Carlos Rafael
dos Santos Junior e Mário José Gomes Pereira, está de acordo com as
epistemologias do Sul, pois impediu a reintegração de posse por não terem
considerado a propriedade produtiva, não respeitando o princípio da função
social.
Essa atitude se mostra positiva e pode ser considerada um começo para que
mudanças sociais sejam finalmente implementadas no Brasil, já que, na prática,
a reintegração de posse é permitida na grande maioria dos casos, mesmo que
essas áreas estejam desocupadas.
Cabe
ressaltar que as mudanças propostas pelas epistemologias do Sul não visam
excluir as ideias do Norte, mas fazer com que um lado aprenda com o outro,
formando uma ciência harmônica e capaz de promover as transformações sociais e
democratização das sociedades.
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