“Olhos
que condenam”, é uma das mais novas minisséries da Netflix, escrita por Ava DuVerney,
e que chocou o universo do entretenimento por sua forte crítica à uma das condenações mais populares da história
americana. Pelo enredo, assim como atrás das câmeras, cinco jovens negros são presos,
acusados pelo estupro de uma mulher. Durante a trama, várias partes essenciais
do processo legal para a acusação e julgamento do mesmo são deixadas de lado,
tendo em vista todo um contexto ainda fortemente racista nos Estados Unidos de
1989. Menores de idade sendo interrogados sem a presença de seus pais e uma
consequente condenação sem provas concretas ― a maior prova da acusação são os
depoimentos dos jovens que, coagidos pelas autoridades, confessam e acusam-se entre
si de um crime que nenhum deles cometeu.
““- Por que nos tratam assim?
– De que outra maneira nos tratariam?”
– De que outra maneira nos tratariam?”
Um dos
garotos diz ao outro, que responde, em cena ― e é fato que esse é um questionamento
decorrente de todo um contexto histórico de marginalização dessa minoria, ainda
uma problemática da contemporaneidade. Assim também pode ser feita a referência
à um dos maiores movimentos sociais brasileiros, o Movimento Sem Terra, que
teve seu surgimento em 1984, sendo uma consequência direta da má distribuição
de terra no país, fruto da época colonial.
Ao
longo dos séculos, é notória a grande recusa do sistema judiciário brasileiro
em agir em prol dessas minorias, citando o direito positivado e a necessidade de
abordá-lo tal como é. Assim como cita Sara Araújo, doutora em Sociologia do
Direito, “Associada a ideias de racionalidade, neutralidade, objetividade e
justiça, a linguagem jurídica moderna assume, pois, um papel fundamental na
legitimação do modelo dominante, colonial, e capitalista, difundindo uma
alegada “ordem natural” que certifica os valores e as metas da globalização
capitalista neoliberal (Chimni, 2006)”. Reafirma também a ideia que o Direito
moderno vem a ser uma invenção que provém do mito ocidental do progresso, que se
constitui baseado em um “etnocentrismo jurídico e imposto por via da
colonialidade jurídica”
Assim,
como no agravo de instrumento nº
70003434388, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que propunha
uma revisão da decisão judicial que negava a reintegração de posse de uma
propriedade de Plínio e Valéria
Formighieri em 2001, que alegaram invasão por parte dos membros do Movimento
Sem Terra. A outra parte, debate a questão da ausência do cumprimento
da função social da terra. Nesse momento, um direito fundamental se coloca
evidenciado: o direito à propriedade. No caso, a quem faria dela real proveito,
ou de seus “donos por direito”?
O tribunal veio a decidir contra a reintegração,
sendo realmente comprovada a improdutividade da propriedade. Tal postura vem a incidir
o conceito de epistemologia do Sul, ― cunhado por Boaventura de Souza Santos e
fortemente aderido por Sara Araújo― que busca romper com o ideal do primado do
direito, que tem suas origens no sistema legislativo-judiciário europeu,
indicando a inclusão de esferas sociais antes invisíveis e desprezadas. É, finalmente,
a consolidação da “ecologia de Direitos e de justiças” ― dar voz aos que eram
antes silenciados.
Júlia Rodrigues Alves
Direito XXXVI (noturno)
Nenhum comentário:
Postar um comentário