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segunda-feira, 2 de setembro de 2019

O silêncio do Direito


     “Olhos que condenam”, é uma das mais novas minisséries da Netflix, escrita por Ava DuVerney, e que chocou o universo do entretenimento por sua forte crítica à  uma das condenações mais populares da história americana. Pelo enredo, assim como atrás das câmeras, cinco jovens negros são presos, acusados pelo estupro de uma mulher. Durante a trama, várias partes essenciais do processo legal para a acusação e julgamento do mesmo são deixadas de lado, tendo em vista todo um contexto ainda fortemente racista nos Estados Unidos de 1989. Menores de idade sendo interrogados sem a presença de seus pais e uma consequente condenação sem provas concretas ― a maior prova da acusação são os depoimentos dos jovens que, coagidos pelas autoridades, confessam e acusam-se entre si de um crime que nenhum deles cometeu.
     ““- Por que nos tratam assim?
       – De que outra maneira nos tratariam?
    Um dos garotos diz ao outro, que responde, em cena ― e é fato que esse é um questionamento decorrente de todo um contexto histórico de marginalização dessa minoria, ainda uma problemática da contemporaneidade. Assim também pode ser feita a referência à um dos maiores movimentos sociais brasileiros, o Movimento Sem Terra, que teve seu surgimento em 1984, sendo uma consequência direta da má distribuição de terra no país, fruto da época colonial.  
     Ao longo dos séculos, é notória a grande recusa do sistema judiciário brasileiro em agir em prol dessas minorias, citando o direito positivado e a necessidade de abordá-lo tal como é. Assim como cita Sara Araújo, doutora em Sociologia do Direito, “Associada a ideias de racionalidade, neutralidade, objetividade e justiça, a linguagem jurídica moderna assume, pois, um papel fundamental na legitimação do modelo dominante, colonial, e capitalista, difundindo uma alegada “ordem natural” que certifica os valores e as metas da globalização capitalista neoliberal (Chimni, 2006)”. Reafirma também a ideia que o Direito moderno vem a ser uma invenção que provém do mito ocidental do progresso, que se constitui baseado em um “etnocentrismo jurídico e imposto por via da colonialidade jurídica”
     Assim, como no agravo de instrumento  nº 70003434388, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que propunha uma revisão da decisão judicial que negava a reintegração de posse de uma propriedade de Plínio e Valéria Formighieri em 2001, que alegaram invasão por parte dos membros do Movimento Sem Terra. A outra parte, debate a questão da ausência do cumprimento da função social da terra. Nesse momento, um direito fundamental se coloca evidenciado: o direito à propriedade. No caso, a quem faria dela real proveito, ou de seus “donos por direito”?
   O tribunal veio a decidir contra a reintegração, sendo realmente comprovada a improdutividade da propriedade. Tal postura vem a incidir o conceito de epistemologia do Sul, ― cunhado por Boaventura de Souza Santos e fortemente aderido por Sara Araújo― que busca romper com o ideal do primado do direito, que tem suas origens no sistema legislativo-judiciário europeu, indicando a inclusão de esferas sociais antes invisíveis e desprezadas. É, finalmente, a consolidação da “ecologia de Direitos e de justiças” ― dar voz aos que eram antes silenciados.


Júlia Rodrigues Alves 
Direito XXXVI (noturno)

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