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segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Propriedade é tudo?

Os direitos fundamentais de 600 famílias acampadas na Fazenda Primavera prevaleceu sobre os direitos patrimoniais de uma empresa, em um julgado do TJRS - Agravo de Instrumento nº 70003434388. De acordo com os dois juízes que foram contrários à reintegração de posse pelos antigos proprietários, a terra agora cumpre sua função social - garantida no inciso XXII do artigo 5º da Constituição Federal.
Dessa maneira, ao não se limitar ao viés tradicional e corriqueiro, os juízes utilizaram de uma grande temática abordada por Sara Araújo: a Ecologia Jurídica. De acordo com a autora, restringir-se a uma exegese da lei, ou seja, interpretá-la de maneira mecânica, não sana as demandas sociais mas reafirma que o cargo da magistratura é guiado por um texto inteiramente universal e imparcial. Assim, declarar que uma lei objetiva não abrange interpretações significa afirmar que ela é totalmente racional e coerente, quando na realidade ela está apenas travestida dessas características.
Nesse contexto, é necessário ressaltar que tal decisão leva em consideração não apenas o fato concreto, ou seja, a apropriação de terras pelas famílias do Movimento dos Sem-Terra, mas também o contexto geral do país e da região em que ocorreu a ocupação. Logo, entre os diversos aspectos defendidos pela autora supracitada, um deles cabe exatamente nesta ocasião: a apreensão do mundo fora de uma perspectiva monolítica. Sendo assim, apesar de nossa Constituição seguir um padrão eurocêntrico ou de epistemologia do norte, cabe aos intérpretes da lei trazê-la ao quadro social brasileiro e também sul-rio-grandense, nesse caso, além de compreender a posição social das partes.
Por fim, é de se levar em consideração que o direito à propriedade é de responsabilidade coletiva, pois atinge todo um complexo econômico e afeta a dinâmica social, ou seja, a função social da terra não é uma extinção da propriedade privada, mas um estímulo para que seja usufruído amplamente o potencial de um determinado território. Portanto, acredita-se que a negação da liminar avalia também a contribuição do MST na produção de alimentos orgânicos destinados ao mercado interno, sendo assim, o movimento colabora de duas maneiras distintas para o crescimento do país.

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