"Esta forma de ensinamento jurídico produziu, por sua natureza, um tratamento formalista do direito, ligado a precedentes judiciais e a analogias. Já a especialização técnica dos advogados impedia a visão sistemática da totalidade da matéria jurídica. Mas a prática jurídica também não procurava a sistemática racional, mas a criação de esquemas de contratos e queixas praticamente úteis, orientadas nas necessidades concretas, tipicamente repetidas, dos interessados no direito. Produziu, por isso, aquilo que, no âmbito romano, se chamava 'jurisprudência cautelar' e, além disso, por exemplo, o emprego de ficções processuais, que facilitava a classificação e decisão de casos novos pelo esquema de casos já conhecidos, e semelhantes manipulações práticas. Dos motivos de desenvolvimento a ela imanentes não nasce nenhum direito racionalmente sistematizado, nem uma racionalização do direito em geral, mesmo que seja em sentido muito estreito, pois os conceitos por ela criados estavam orientados por situações, de fato materiais, palpáveis e correntes na experiência cotidiana e, nesse sentido, formais; constelações que ela delimitava convenientemente entre si segundo características externas e unívocas e cujo número aplicava, quando necessário, pelos meios já mencionados. Não eram conceitos gerais formados por abstração do sensível, por interpretação lógica do sentido, generalização e subsunção, mas empregados silogisticamente como normas. O exercício puramente empírico da prática e do ensino do direito infere sempre do caso isolado e nunca chega destes casos a princípios gerais, para então poder deduzir destes últimos a decisão de cada caso. Ao contrário, permanece vinculado, por um lado, à palavra, que vira e revira, interpreta e amplia para adaptá-la às necessidades, e por outro, quando este procedimento não basta, recorre à analogia ou a ficções técnicas. Uma vez criados com elasticidade suficiente os esquemas de contratos e queixas exigidos pelas necessidades práticas dos interessados no direito, o direito oficialmente vigente podia conservar um caráter extremamente arcaico e sobreviver formalmente inalterado às mudanças econômicas mais profundas. A casuística arcaica do direito da Seisine, por exemplo, originada nas condições da constituição de terras e senhorios feudais na época normanda, conservou-se, quase até a atualidade, no território dos estados centrais norte-americanos, com consequências às vezes bastante grotescas do ponto de vista teórico".
Na obra "Wirtschaft Und Gesellschaft" ("Economia E Sociedade"), publicada postumamente em 1922, à altura do Capítulo VII, "Rechtssoziologie" ("Sociologia Do Direito"), no parágrafo quarto ("Os Tipos De Pensamento Jurídico E Os Notáveis Na Justiça"), Max Weber faz uma explanação acerca da profissionalização do Direito, abordando ora o Direito Cientificista, ora o Direito Corporativista. Para ele, o Direito pré-profissionalização distinguiu-se pelo seu caráter "empírico", profundamente artesanal. Tratava-se do ensinamento jurídico minstrado por práticos. Para Weber, este Direito prático-empírico, Corporativista, encontrou típico exemplo na história inglesa. No Medievo britânico, "advogados" e "intercessores" atuavam no processo jurídico. A gênese do intercessor está nas particularidades do processo da assembléia forense inglesa; o advogado, por sua vez, originou-se a partir da ascendente profissionalização e racionalização do procedimento jurídico nos tribunais principescos. Cabia ao intercessor participar na elaboração da sentença, através de propostas; além disso, pertencia à classe dos julgadores. Inicialmente, os advogados eram recrutados do clero que, letrado, via neste ofício a primeira fonte de seu sustento. As exigências do cargo clerical e o progressivo aumento do conhecimento jurídico dos "leigos" troxeram consigo a monopolização do ofício de advogado por estes últimos, já nos séculos XV e XVI, criando-se, assim, os rábulas. Tal fato, aliado à constante racionalização do processo acarretou a extinção do intercessor. Os novos advogados eram vinculados ao corporativismo. Desta forma, ainda que houvesse crescente especialização e profissionalização do Direito, este permanecia predominantemente corporativo. No despontar da Idade Moderna, o Direito, em franco processo de racionalização nas universidades e não mais nas corporações, exibia traços marcantes da sistemática jurídica anterior, preocupada com cada caso específico; perdendo, assim, a visão de totalidade. Segundo o autor, as mudanças sócio-econômicas criavam a necessidade imperiosa de um Direito racionalmente sistematizado que, no entanto, era obstruído pelos juristas práticos ingleses. Esta obstrução possuia como explicação o interesse destes juristas em um Direito estável que lhes rendesse emolumentos (honorários). O sociólogo acredita ser exemplo disso, a inexistência de um cadastro de bens imobiliários e de um crédito hipotecário racional na Inglaterra, uma vez que estes fatos se davam pelo interesse dos advogados em receber honorários pelo exame de títulos de posse. Não obstante, a partir de um processo avançado de racionalização e de uma formação universitária, o Direito profissionalizou-se. A expressão máxima desta racionalização e profissionalização, na Alemanha de Weber, foi o Código Civil Alemão de 1896. Max Weber defende que a norma geral abstrata é imprescindível ao Direito Científico-Racional: "O tipo mais puro da segunda [o ensinamento teórico do direito em escolas especiais e na forma de um tratamento racional e sistemático dele] forma de ensinar o pensamento jurídico representa a moderna formação universitária jurídica racional. Onde quer que somente seja admitido à prática do direito quem terminou este curso, esta forma possui o monopólio do ensino jurídico. Uma vez que hoje, em geral, é completada por anos de aprendizado na prática e, depois destes, por outra prova de aptidão - somente nas cidades hanseáticas alemãs o simples título de doutor conservou-se, até recentemente, como qualificação de advogado - , encontra-se agora, por toda parte, combinada com o ensinamento jurídico empírico. Os conceitos que cria têm caráter de normas abstratas que, pelo menos em princípio, são construídas de modo rigorosamente formal e racional, mediante a interpretação lógica do sentido, e delimitadas entre si. Seu caráter racional-sistemático pode conduzir o pensamento jurídico a uma considerável emancipação das necessidades cotidianas dos interessados no direito, e o mesmo efeito tem a falta relativa de elementos concretos e ilustrativos. Uma vez desencadeadas as necessidades puramente lógicas da doutrina jurídica, sua força, e a da prática por elas dominada, pode ter a consequência de que as necessidades dos interessados, como força motriz da elaboração do direito, acabam quase eliminadas. É notório, por exemplo, o grande esforço necessário para impedir a inclusão no Código Civil alemão, em nome de uma coerência puramente lógica, do princípio de que a compra prevalece sobre a locação e o arrendamento, que tem sua origem nas relações de poder sociais da Antiguidade".
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