Um episódio emblemático na história recente brasileira
foi o Massacre do Pinheirinho. Ocorrido em 2012, foi o marco do momento em que
milhares de moradores foram violentamente retirados com forte aparato militar da
comunidade onde viviam e que haviam construído ao longo de mais uma década em
nome de uma ação da massa falida da empresa Selecta S.A.
Não é preciso muito para que o episódio nos remeta a
inúmeras questões da sociedade brasileira, dentre elas a desigualdade social, o
déficit habitacional, a violência do Estado em reintegrações de posse e a
influência do empresariado nas decisões governamentais e judiciais. Todas essas
questões são há décadas estudadas por filósofos, sociólogos e cientistas
políticos, além de debatidas em inúmeras instâncias, como nos meios de
comunicação e nos palanques eleitorais em período de campanha. Entretanto, no
momento da reintegração do Pinheirinho, todas esses debates, inflexões e ideias
não foram suficientes. A comunidade foi removida, graves violações aos direitos
humanos ocorreram e dois cidadãos morreram.
Assim, retoma-se o debate da função de determinadas
áreas do pensamento na atualidade, como a Filosofia. Seriam elas meros
instrumentos de construção e transmissão de ideais ou deveriam ter como fim a
transformação da realidade em que se vive? Reflexão importante faz Karl Marx em
sua “Para a crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, de 1843, onde ele rompe
com o radical idealismo hegeliano e traz a noção de que a Filosofia deve ser
utilizada como forma de compreensão da realidade prática e, por consequência,
de emancipação política da sociedade.
Tal concepção pode ser perfeitamente aplicada ao caso
do Pinheirinho. O “aprisionamento” político da sociedade – construído principalmente
pelas diversas formas de alienação –, que permite que a mesma seja oprimida
pelo Estado em que se encontra, muito provavelmente impediu que o cidadão que
acompanhava há dias a transmissão dos grandes meios de comunicação da situação
da comunidade (como mostram vários documentários sobre o tema) conseguisse
enxergar a situação como uma problemática social muito maior do que somente “mais
uma ocupação de terras”. Caso essa percepção tivesse ocorrido – e as áreas do
conhecimento mencionadas anteriormente, na visão marxista, deveriam ter tido
uma forma de esforço nesse sentido -, poderia haver uma pressão social muito
forte que impedisse os magistrados que trabalhavam no caso de tomarem a atitude
de mais uma vez optar pela repressão física dos socialmente mais fracos, gerando
severas e inadmissíveis agressões.
Além disso, a ausência de conhecimento profundo sobre
os aspectos que envolvem o nosso Estado e legitimam a sua atuação, como o
Direito, autorizou a ocorrência de inúmeras arbitrariedades legais por parte
dos juristas envolvidos em todas as instâncias do caso. Um “esclarecimento”
acerca das leis e dos processos que nos cercam poderia ocasionar, mais uma vez,
uma pressão social prática que coibisse a parcialidade do trâmite do processo e
o esforço dos juristas em prol do empresariado, da concentração fundiária e da
especulação imobiliária.
Em síntese, é evidente que caso as várias formas de
conhecimento que nos cercam tivessem se valido de, ao invés de simplesmente
incitar o debate sobre determinadas questões, buscar emancipar politicamente a
sociedade por meio do esclarecimento acerca de como age o Estado e assim
constituir uma revolução social que extinguisse as formas de opressão, o
desfecho do Massacre de Pinheiro talvez fosse bastante diferente, uma vez que a
resistência dos moradores da comunidade não teria sido a mesma com um amplo
apoio popular e governamental, além da pressão para o estabelecimento de
mecanismos que impedissem a opressão e a letargia institucional que muitas vezes
acompanha complexas questões sociais.
Dessa maneira, enquanto não nos utilizemos de todo o
aparato intelectual que possuirmos para o entendimento das formas de opressão
que nos rodeiam e de como podemos agir para eliminá-las, estaremos fatalmente
condenados à submissão, apoiada pelo Estado e seus instrumentos, aos interesses
elitistas. Na letra da lei, ou fora dela; à força, ou sem ela; estaremos
fatalmente condenados.
Luiz
Antonio Martins Cambuhy Júnior
Direito
Matutino – 1º Ano
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