Às vésperas do aniversário de 24 anos do massacre do Carandiru, uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo chamou a atenção da mídia, da comunidade jurídica, de organizações de defesa dos direitos humanos e parte da sociedade civil. No dia 27 de setembro, a 4ª Câmara Criminal do TJ determinou a absolvição dos 74 policiais militares envolvidos na operação que resultou na morte de 111 detentos. O desembargador Ivan Sartori foi relator do processo e votou a favor da absolvição. A decisão levantou polêmicas sobre a parcialidade do sistema judiciário brasileiro.
O mesmo desembargador Ivan Sartori foi presidente do TJ-SP à época de outro massacre: o do Pinheirinho. No mês de janeiro de 2012, uma comunidade de moradores sem-teto conhecida como "Pinheirinho" sofreu violenta ação de desocupação policial. Estima-se que entre 6 e 9 mil pessoas viviam na comunidade, que foi completamente destruída durante a operação. Sartori também foi favorável a essa ação.
O que os dois massacres carregam em comum vai muito além do envolvimento do desembargador. Em ambas as situações, a Justiça agiu contra grupos socialmente desfavorecidos e precarizados. Os responsáveis pelo assassinato dos 111 detentos na Casa de Detenção do Carandiru em outubro de 1992 foram perdoados. 111 vidas foram perdidas e seus culpados, absolvidos. Algumas vidas parecem valer mais que as outras. Alguns crimes parecem justificáveis.
Nos atentemos ao caso do Pinheirinho. A Justiça determinou a desocupação da área por se tratar de propriedade particular. A propriedade em questão não estava cumprindo sua função social, não havendo qualquer atividade desempenhada ali por seu proprietário. Coube à Justiça decidir entre as milhares de famílias que viviam no Pinheirinho e o interesse do proprietário do terreno, que infringia a lei por não dar fim social ao mesmo. A decisão do TJ beneficiou o proprietário, em detrimento dos sem-teto. O rico teve sua propriedade protegida; as famílias precarizadas tiveram seu direito à habitação mais uma vez negado.
A discussão sobre a parcialidade da Justiça nos remonta aos debates de Karl Marx e Friedrich Hegel sobre o direito. O segundo, apegado à racionalidade, enxergava o direito como instrumento de libertação e igualdade entre os seres. Marx o criticou e defendeu que o direito seria, na verdade, um mecanismo de dominação dos grupos que detém o poder sobre aqueles que não o tem. O Estado não seria uma instituição neutra ou apolítica, mas estaria a serviço das classes detentoras dos meios de produção. O direito e a Justiça, por sua vez, mecanismos de manutenção do poder dos grupos dominantes e subjugação dos dominados.
O massacre do Pinheirinho caracteriza-se como uma contundente manifestação da arbitrariedade e do caráter classista do direito. A decisão do TJ-SP pela desocupação do terreno foi expressamente de encontro ao interesse do proprietário do terreno, em oposição à dignidade e aos direitos das famílias sem-teto. Evidencia-se o caráter de classe da Justiça e a parcialidade da mesma em favor dos grupos privilegiados.
Enquanto não solucionarmos a crise da habitação urbana no país e democratizarmos a estrutura fundiária brasileira, outros Pinheirinhos virão. E o direito seguirá ao lado dos grupos privilegiados, em detrimento dos despossuídos. Enquanto o império da propriedade imperar sobre a dignidade humana, não pode haver justiça, mas o domínio daqueles que têm o poder de julgar.
Enquanto não solucionarmos a crise da habitação urbana no país e democratizarmos a estrutura fundiária brasileira, outros Pinheirinhos virão. E o direito seguirá ao lado dos grupos privilegiados, em detrimento dos despossuídos. Enquanto o império da propriedade imperar sobre a dignidade humana, não pode haver justiça, mas o domínio daqueles que têm o poder de julgar.
Guilherme da Costa Aguiar Cortez - 1º semestre de Direito (matutino)
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