Em
2004 começou a se construir um enredo que culminaria na
operação de guerra montada em uma comunidade pobre, conhecida como
Pinheirinho, em São José dos Campos. No fatídico ano, houve uma
ocupação de uma área inabitada e, até então, improdutiva, por
famílias sem-teto. Ali frutificou uma comunidade que cresceu,
ganhando corpo e estruturas como ruas, estabelecimentos comerciais,
serviços públicos e igrejas.
O
grande algoz dos moradores daquela coletividade se chamava Naji Nahas
proprietário da massa falida da Selecta SA, detentora do terreno
ocupado. Começou, então, uma queda de braço judicial entre a
população e os interesses econômicos da empresa, que possuía
credores e necessitava da área. O conflito colocou dois direitos
constitucionais, o da propriedade e o da moradia, em choque. Cabia,
então, a justiça decidir sobre a causa, e em 2012 se efetivou uma
ordem da mesma para a reintegração de posse.
Ao
confrontar essa situação, podemos nos utilizar de algumas ideias de
Marx e Hegel para nos auxiliar na análise do caso. Marx defendia que
o Direito era, na verdade, um instrumento mantenedor da ordem
massacrante da minoria burguesa. Sendo assim, cabe a ele defender os
interesses de Nahas em detrimento das necessidades dos viventes. Além
disso, a decisão do magistrado nessa situação exigia uma profunda
análise de consequências, necessitava-se, assim, de radicalizar,
segundo Marx. Um possível despejo de 1500 famílias, ou uma decisão
que poderia abrir portas para outras, ocasionando pertubações no
fato social da propriedade? Obviamente houve um erro nessa questão,
seja por parte do advogado que representava Pinheirinho, seja por
conta das juristas que sustentaram a reintegração, o direito a
propriedade se sobressaiu em relação ao da moradia, quando na
verdade nenhum dos dois deveria ser deixado de lado. Negar a
propriedade é cuspir em uma bandeira erguida por grandes
iluministas, como Locke, que foram os responsáveis pela construção
do nosso pensamento político, econômico e social. Ao mesmo tempo,
negar a moradia é virar as costas para o Art. 6° da Constituição
Federal e para vários tratos internacionais, os quais o Brasil é
signatário. A radicalização, nesse caso, seria construir, por meio
do Direito, um caminho que solucionaria, de modo satisfatório para
duas partes conflituosas, esse impasse.
Hegel,
por sua vez, acredita que a lei é um instrumento de garantia da
felicidade, do bem-estar do indivíduo. Ainda assim, os dois direitos
se chocam, já que a moradia e a propriedade são considerados meios
que se associam à produção e manutenção da felicidade no
indivíduo. Ademais, contrariando a ideia marxista de que o Direito
serve a determinadas classes do corpo social, Hegel afirmava que a
aplicação da norma é feita de forma isonômica, ou seja, não há
escolha de lado nas decisões dos magistrados. Dessa forma, não
haveria diferenciação entre ricos e pobres na isonomia da lei.
De
fato, Pinheirinho se tornou um caso de difícil solução, mas,
devemos nos preocupar quando apontamos culpado. A decisão da juíza
evidentemente levou em conta alguns fatores, ignorou outros e
distorceu mais alguns, entretanto, ela teria de fazer o mesmo se
optasse pela defesa dos moradores da comunidade. O vilão dessa
história não é mais ninguém do que o Estado, que promete mil
garantias em sua carta base, e não cumpre de maneira satisfatória
as mesmas. Estado esse que, por mais gigante, caro, e forte não
efetivou o Direito de moradia para os sem-teto. O Estado falido
brasileiro necessita de uma reformulação: Da forma em que se
encontra todas as suas estruturas, não há como existir por aqui um
bem-estar social rigorosamente satisfatório.
Guilherme Araujo Morelli Costa 1° Direito Noturno
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