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domingo, 17 de outubro de 2021

A luta simbólica dentro do campo jurídico de Bourdieu

No voto-vista para o pedido de Habeas Corpus 124.306, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso declara que, apesar de não ser cabível o habeas corpus na situação, é possível a concessão de uma ordem de ofício visando a desconstituição da prisão preventiva dos acusados. O caso em questão trata da interrupção voluntária de uma gestação durante o primeiro trimestre e tem entre os seus acusados os médicos que realizaram o procedimento. 

A ordem concedida pelo ministro é pautada em dois pontos principais. O primeiro, mais concreto, de que os requisitos que legitimam a prisão preventiva não estariam presentes no caso. Já o segundo, mais interpretativo, estabelece que há a necessidade de interpretação do código penal - que tipifica a criminalização dos atos julgados no caso - através das lentes da constituição vigente, visto que o código foi promulgado há mais de 60 anos e a constituição, mais recente, consequentemente, traz consigo valores morais mais atuais. 

Pode-se analisar a situação pelas lentes da teoria de Bourdieu utilizando o conceito de campo jurídico. O campo é um espaço social multidimensional, formado por áreas relativamente autônomas mas que se interligam.  No campo jurídico, seus limites são determinados pela interação entre as estruturas concretas - no sentido da doutrinação e da ciência - e das interpretações abstratas dessas estruturas - a análise hermenêutica e a jurisprudência, por exemplo. 

A dinâmica no campo jurídico se dá dentro do chamado “espaço dos possíveis”.  O termo exemplifica o fenômeno da relação do Direito com as forças à sua volta. Ao mesmo tempo em que, nesse campo, se fazem necessárias as positivações jurídicas e uma certa hierarquia entre as fontes do direito e a realidade, é impossível enxergar o Direito como independente das forças externas que o acompanham. 

O campo jurídico abarca a lógica normativa somada à lógica moral. No voto citado acima isso se observa na desconstituição da prisão preventiva mesmo com a impossibilidade de concessão de habeas corpus. O Ministro declara que a criminalização do aborto voluntário é incompatível com os direitos fundamentais sexuais e reprodutivos da mulher. Além disso, cita o caráter discriminatório da criminalização, que afeta um número desproporcionalmente maior de mulheres pobres. 

Isso exemplifica a luta simbólica dentro do campo jurídico, que tem como alvo a elaboração de um sistema de regras com aplicação universal, baseado na racionalização dos princípios positivados através da lógica moral vigente.


Victoria Dote Rozallez da Costa

Direito Matutino Turma XXXVIII


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