Em um primeiro momento,
chama a atenção do leitor os termos utilizados pela juíza Adriana Gatto Martins
Bonemer em sua decisão que inocentou o médico Matheus Gabriel Braia. Com
chavões semi-prontos conservadores, a magistrada dá um show de senso comum disfarçado
de viés científico ao utilizar obras e conceitos tirados ou de autores que
desafiam a lógica acadêmica, ou de sua própria cabeça.
Ademais, observa-se
claramente em sua atitude a interferência do conceito de “Capital” proposto por
Bourdieu. Mais do que integrante de uma elite financeira, Adriana Gatto também
faz parte de um circuito fechado de conhecimento técnico e profissional, no
qual muitas vezes acaba por ser tratada com distinção pelo cargo que ocupa.
Seguindo este suposto, a magistrada detém um capital social avantajado, que
indubitavelmente abre espaços para que decisões com pouquíssimo fundamento
jurídico sejam enunciadas por ela sem qualquer punição. Aí, observa-se – mais
uma vez – o fenômeno de invencibilidade e endeusamento do magistrado,
diretamente ligado ao poder simbólico detido pela classe.
Cabe salientar também a
percepção de “habitus” colocada por Bourdieu e que encaixa extremamente bem na
decisão da magistrada. Superficialmente, é possível definir tal conceito como o
conjunto de crenças que edificam o indivíduo, sendo essas partes integrantes e
praticamente indissociáveis do comportamento em sociedade.
Na decisão da
magistrada em específico, observa-se uma posição bem marcada pelo
conservadorismo, evidenciada pelas obras utilizadas pela juíza para afirmar sua
posição. Tal posicionamento provém obviamente de opiniões pessoais de Adriana
Gatto, adquiridas ao longo de sua vivência e de seu contato em seu círculo pessoal
no qual está inserida. Tomando como base o habitus de Adrina, responsável por
orientar sua decisão, é válido questionar: Caso o acusado pelo MP possuísse
outra origem social e outra cor de pele, a decisão colocada pela magistrada se
manteria a mesma?
A condenação de um
médico branco com um sobrenome conhecido é sempre muito mais complicada de ser
feita, principalmente devido ao prestígio social que esse detém. A justiça
brasileira é seletiva, ainda mais quando o julgado provém de posições tidas
como avantajadas socialmente.
Embora nos deixe com
pouca esperança no judiciário brasileiro e em especial nas pessoas que ocupam
assentos nele, o julgamento de Adriana serve o propósito de estudo do campo
jurídico, uma vez que evidencia o controle externo sob o Direito. Pensar a
ciência jurídica é - como deixa claro Bourdieu - entender também as outras
camadas que compõe o corpo social, dando especial enfoque ao campo econômico.
Apesar de legalmente
ter dado poucos frutos, o processo movido pelo MP acendeu o debate sobre o
machismo e a misoginia presentes em nosso país, em especial pelas próprias
classes dominantes. Ao colocar o absurdo ocorrido em evidencia, os espaços para
a modificação do Direito se abrem e pavimentam um caminho em direção ao futuro,
que embora se mostre embaçado e confuso por ora, fornece, aos poucos, voz aos
que nunca a tiveram e há anos se engasgam em uma opressão que é efetivada diariamente pelo próprio sistema que deveria protegê-los.
Pedro Basaglia, 1° ano - Noturno.
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